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Longlegs – Vínculo Mortal

4/5

Longlegs - Vínculo Mortal

2024

101 minutos

4/5

Diretor: Osgood Perkins

Nicolas Cage aparece irreconhecível em um filme que transita bem entre o thriller investigativo e um horror sobrenatural de arrepiar.

Uma informação importante sobre minha relação com o cinema é que desde criança eu sou absolutamente fascinado por filmes de terror. Mas, ao contrário do que talvez se espere, a consequência desse fascínio não é uma maior afinidade com o gênero. Pelo contrário, ver um filme de terror pra mim é muitas vezes um sofrimento. Isso porque sou altamente medroso, do tipo que grita alto no cinema, bota as mãos em frente aos olhos e só abre aquela frestinha entre os dedos para poder ver a tela nos momentos mais tensos, e passa a noite sem dormir após o filme. Obviamente, não é todo terror que gera esse efeito em mim, nem é exatamente a qualidade do filme que define isso. Já me assustei com filmes que não gostei e já amei filmes que não me assustaram. Mas “Longlegs – Vínculo Mortal” reuniu o melhor dos dois mundos, é um “filmaço” e tem algumas características que fizeram com que minha madrugada pós-filme fosse bem difícil.

O que mais me fascinou/assustou no trabalho de Osgood Perkins foi a atmosfera de mal estar construída ao longo de toda a duração do filme. Não tem um momento de respiro, de alívio. A ameaça que paira no ar não dá trégua e faz com que o espectador passe quase duas horas em estado de alerta. Isso é mérito de uma direção que tece ponto a ponto essa atmosfera através de diversos recursos narrativos. Há uma desolação na forma como a mise en scéne se organiza. Todo o trabalho de composição da fotografia faz questão de ressaltar a solidão de Lee (Maika Monroe) através de imagens sem vida e pensadas para incomodar. Um bom exemplo de como isso acontece é a maneira com a qual o filme é decupado. A protagonista sempre aparece sozinha no quadro, em primeiro plano, rodeada por portas e janelas abertas, escadas, corredores, passagens, etc., em segundo plano, normalmente posicionadas às suas costas e habitadas por sombras e objetos indefinidos. Em outros momentos, a personagem aparece diminuta em cenários que a engolem. Como na cena em que liga para sua mãe de um telefone público ou quando entra no celeiro da fazenda onde encontra a primeira boneca produzida pelo antagonista. Sempre há algo à espreita da personagem, algo que está oculto, fora de foco, desenquadrado, mas que é presença recorrente para o espectador. 

Em consonância com isso, a atriz Maika Monroe não sorri, não se utiliza de expressões faciais marcantes. Sua personagem parece estar em um estado de catatonia, principalmente nos momentos de interação com outros personagens. Isso só se modifica nas situações mais críticas, de perigo, quando essa feição inerte dá lugar ao medo. O tom se modifica. A imobilidade dá lugar aos tremores de ansiedade, ao choro, ao grito. A frieza que se esperaria de uma agente do FBI treinada pra lidar com a pressão, é desconstruída pela inexperiência da personagem e pelas circunstâncias apavorantes às quais ela é exposta.

Há de se destacar também o que Nicolas Cage faz como o personagem que dá título ao longa e a forma com a qual a narrativa constroi essa figura. Grandes filmes de terror normalmente possuem monstros icônicos, imagens que marcam e se eternizam no imaginário cultural. Do rosto de Nosferatu, às madeixas pretas e molhadas de Samara Morgan, passando pelas máscaras de Jason, Michael Myers, Ghostface e Leatherface, pelas queimaduras de Freddy Krueger, pelas tranças do Predador, pela expressão aterrorizante de Jack Nicholson ou ainda pelo rosto desfigurado de Linda Blair como Regan Macneil possuída pelo demônio Pazuzu em “O Exorcista”. Daria para passar horas citando exemplos. Imagens que habitam os pesadelos de pessoas do mundo inteiro ao longo do último século. O “Longlegs” de Nick Cage honra essa tradição com muita competência.

Isso passa, obviamente, pela incrível performance do ator, mas também por um exímio trabalho de caracterização e por algumas escolhas formais que potencializam tudo isso. A que mais me chama atenção é a decisão de revelar esse rosto, ainda que brevemente, logo no início do filme. Em uma espécie de prólogo, Longlegs aparece para uma criança. A figura bizarra é enquadrada do pescoço pra baixo enquanto o diálogo acontece, até que em determinado momento abaixa e seu rosto aparece totalmente. O pequeno instante em que essa simples ação acontece recebe o tratamento de um jumpscare. Há uma construção sonora que, somada ao movimento brusco e alteração do tom de voz de Cage, à reação da atriz mirim que contracena com ele, ao corte rápido e à imagem aterrorizante do próprio rosto do ator descaracterizado pela maquiagem, fazem com que esse primeiro susto sirva como uma assombração para boa parte do longa. Por algum tempo Longlegs não aparece mais, mas sua presença maligna já se instalou na consciência do espectador através dessa simples decisão narrativa. Quando o vilão volta à cena mais tarde o pavor se intensifica. Longlegs é insano e puro mal, sem qualquer complexidade de personagem que atenue o seu caráter.

Por mais que o vilão seja construído como uma espécie de serial killer em um thriller investigativo, aos moldes de “O Silêncio dos Inocentes”, “Manhunter” e derivados, lá pelas tantas, a narrativa se reinventa. Toda essa construção que parecia levar a um encadeamento lógico e realista de fatos, com os investigadores se aproximando progressivamente, até finalmente capturarem o assassino, é virada de cabeça para baixo. As pistas se tornam confusas, o desenrolar da investigação mais arbitrário e as descobertas feitas por Lee já não são tão bem explicadas. Uma mensagem clara da direção para que o espectador pare de tentar acompanhar racionalmente os fatos. Isso é literalmente trazido à tona através das linhas de diálogo de um certo personagem. O perito técnico, que ao analisar uma boneca de porcelana encontrada pelos investigadores não encontra uma explicação racional para um fenômeno que observa. Ele diz textualmente: a resposta para a investigação não poderá ser encontrada através da lógica.

E é a partir daí que as situações vão se tornando cada vez mais absurdas e potentes, até uma cena catártica, em que a heroína e o vilão se encontram em uma sala de interrogatório e aí se inicia um banho de sangue dos bons. As atuações passam a ter um ar caricato, o tom austero se desfaz e dá lugar a uma postura mais frontal e gráfica, sem com isso perder de vista toda a atmosfera que já havia sido construída. Oz Perkins não tem medo de abraçar de vez a fantasia de um horror sobrenatural. “Longlegs – Vículo Mortal” sabe, portanto, lidar muito bem com suas referências, manipulando a percepção através de uma narrativa que se reconstrói rumo a um final que não entrega as respostas esperadas de um thriller convencional, e sim o puro medo e mal-estar com os quais só os grandes filmes de horror nos presenteiam. Resultado? Passei a noite inteira sonhando com Nicolas Cage. E não foram sonhos nada bons.

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