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Prisão nos Andes

4/5

Prisão nos Andes

2024

105 minutos

4/5

Diretor: Felipe Carmona Urrutia

“A imagem é uma arma política”

Ao contrário do fim da ditadura militar no Brasil, no Chile, os torturadores foram a julgamento e presos. Contudo, em vez de serem submetidos aos mesmos porões onde cometiam suas atrocidades, a alta cúpula do exército chileno – fiel a Pinochet – cumpriu sua pena em uma luxuosa instalação nos Andes chilenos. Dentro daquele espaço, andavam livremente e tinham acesso a diversas regalias disfarçadas de benefícios.


Prisão nos Andes é um recorte dos últimos dias dos cinco principais generais de Pinochet naquelas instalações, antes da transferência determinada pelo Ministério da Justiça. No filme de Felipe Carmona Urrutia, o cárcere mais parece uma casa de campo, com direito a lareira, escritórios, revistas, livros e periódicos, além de jantares regados a whisky e até um viveiro para aves de rapina – estas bem menos traiçoeiras. A prisão está sob a vigilância de guardas da polícia que, em tese, responderiam apenas aos órgãos da Justiça.

A impressão que temos desde as primeiras cenas é de que aquelas figuras uniformizadas estão em um campo de treinamento, e os prisioneiros sob sua custódia são seus verdadeiros oficiais. Durante um exercício físico, podemos observar um dos generais dando comandos enquanto exalta o valor do preparo físico. É, inclusive, esse mesmo prisioneiro que detém o apito de comando, estando responsável por interromper a luta entre os guardas. Mas é durante uma entrevista dada a jornalistas que o desprezo por seus carcereiros se escancara. Outro general se recusa a enxergar aquela experiência como uma detenção e se refere ao guarda Navarrete como um simples “guardião” de sua bengala.

Há uma certeza de impunidade perene naquele ambiente. Diferente de uma prisão, aquele espaço funciona como a colônia de férias de monstros que se comportam como em uma viagem de fim de semana, ou pior, como se ainda estivessem no comando. Suas reuniões com um secretário vão além do contrabando de supérfluos, visando intermediar conversas proibidas. Quando não estão se distraindo com charutos e whisky, tramam ou relembram as “glórias” do passado. Estão sempre projetando de alguma maneira a sombra do poder que detinham, seja através de palavras de ordem ou ameaças. Apesar de longe de seus gabinetes, é possível sentir a influência que ainda possuem.

A inversão de papeis

Observando, em especial, o guarda Navarrete, podemos ver um contraponto àqueles generais depostos. Sua aparência frágil se opõe àquelas figuras hostis. É como se, de início, ele conferisse um pouco de humanidade àquele espaço. Sua sexualidade também acrescenta uma dose extra de vulnerabilidade, visto que um dos algozes diz que, sem eles, o Chile seria “invadido por negros, maricas e comunistas”. Em um show circense, é encenada a bestialização das pessoas, um aceno ao futuro de Navarrete. Outro acerto de Urrutia é não se enveredar pela busca da humanidade dentro dos monstros. Ao contrário, cada vez mais os monstros do filme vão revelando suas faces mais aterrorizantes.

Navarrete e outro guarda durante um exercício. Os braços erguidos como se estivessem rendidos.

É com elementos de terror que alcançam da fotografia ao som que o filme também imprime a presença fantasmagórica da ditadura militar, apesar dos tempos democráticos, além da participação de Pinochet dentro da narrativa, seja por fotografias ou através de sonhos. É como se o diretor nos alertasse que essas figuras distorcidas insistem em assombrar, seja na lembrança das vítimas ou na memória corrompida dos seus exaltadores. Com algumas colocações durante o diálogo, esse sentimento é sublinhado. Como quando um dos guardas comenta que tem mais medo dos vivos do que dos mortos, ao ser questionado sobre o fantasma de um colega morto. Mas é com a imagem que o diretor mais se importa. O tratamento que Urrutia emprega sobre a imagem do filme não deixe brecha para que nos compadeçamos daqueles idosos com corpos vulneráveis. Ele não permite com que aqueles homens dominem a imagem e, portanto, a narrativa.

Prisão nos Andes vai muito além de denunciar a impunidade. Com sutilezas, Urrutia aborda questões como a banalidade do mal, o apagamento do indivíduo dentro do militarismo e a pior face da natureza humana. Ele faz questão de lembrar aos guardas que são eles que estão presos com aqueles homens. O diretor também tem cuidado em preservar a memória das vítimas, principalmente por alguns membros de sua equipe e elenco terem sido perseguidos ou estarem relacionados a pessoas que foram perseguidas. Em especial, o jogo da memória é um artifício do roteiro que merece destaque, pois eleva ainda mais o cinismo e a crueldade daqueles monstros que insistem em se vangloriar de seus feitos.

Prisão nos Andes estreou dia 19 de setembro nos cinemas.

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