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Manas

5/5

Manas

2026

106 minutos

5/5

Diretor: Mariana Brennand

“e a minha rede?”

O cinema, como toda arte, é um meio propício para discussões e denúncias. Através do deslumbre do que vê em tela, o espectador pode se conectar a uma vivência distante da sua por vias racionais e/ou emocionais. A ficção é um formato que permite com que histórias particulares ou coletivas sejam apresentadas preservando a privacidade e o direito ao anonimato de seus personagens. Diante disso, a cineasta Mariana Brennand expõe sua denúncia sobre a exploração sexual infantil na Ilha do Marajó, no Pará.

Em Manas, somos colocados diante de Marcielle (Jamilli Corrêa), uma menina de 13 anos, e seu enveredar pelo mesmo caminho que aprisiona as mulheres de sua comunidade. O aliciamento explícito e a falta de perspectivas de um futuro promissor constituem uma parcela dos elementos que atraem essas jovens a ofertar seus corpos em barcos que transitam pela região. Brennand conduz sua narrativa de forma a dissecar de dentro para fora esse horror endêmico. O que começa sendo pincelado com pequenas sutilezas, aos poucos começa a revelar o quão em risco Marcielle sempre esteve.

Viagem em direção ao perigo. Imagem: Divulgação

A abertura do filme nos mostra uma aventura cotidiana, onde crianças ajudam o pai na colheita do açaí. No futuro, isso vai se revelar um refúgio para a concretização do abuso. Mas ao longo do filme, a diretora consegue deixar pistas do ambiente hostil daquele vilarejo antes de deixar claro os abusos que acontecem. A presença de uma menina grávida entre as alunas da escola é uma delas. O estranhamento sobre a insistência de um pai dormir com a filha, e até censurar que a mesma tenha a própria rede já deixa claro que o monstro nem sempre se encontra do lado de fora.

Quando se aproxima do drama familiar é que Brennand consegue demonstrar a complexidade da situação. Não é apenas sobre marinheiros que exploram o corpo daquelas meninas, tão pouco sobre rufiões disfarçados de donos de quermesses. Existe uma cultura do abuso que floresce dentro do lar. As meninas enveredam naquela vida pois seus corpos já são violados dentro de casa. A escolha de obter alguma contrapartida vem da esperança de melhora de vida, seja através do acúmulo de alguma quantia, ou pela possibilidade de ser acolhida por um daqueles estranhos com quem se relacionam.

A delegada Aretha, vivida por Dira Paes, consegue personificar um pouco do olhar da diretora dentro da narrativa. Ao mesmo tempo que é firme com as figuras masculinas, é acolhedora com as femininas. Não apenas as crianças são vítimas daquela situação. Danielle (Fátima Macedo), mãe de Marcielle, é a que se encontra no lugar mais complexo. Parece omissa à primeira vista, porém expõe o drama daquela que já foi abusada pela figura paterna e que viu no marido um salvador. Sua falta de perspectiva e medo faz com que acredite que, mesmo diante de outro abusador, aquele é o melhor cenário que pode oferecer para suas filhas e para si própria. Afinal, para Danielle, Marcilio (Rômulo Braga) é um homem como qualquer outro com qual se deparou, mas consegue ser amoroso tanto com ela quanto com as crianças. Até o personagem de Rômulo Braga não é tão simples de decifrar. Ao mesmo tempo que abusa de suas filhas, não quer que outros homens o façam. Assim, as proíbe de visitar aquelas embarcações.

A Delegada Aretha encontrando as inconsistências nas falas de Marcielle. Foto: Divulgação

Além da escolha certeira para com o elenco, a diretora consegue conduzir sua denúncia para além do maniqueísmo. Como combater um sistema que está tão enraizado quanto as árvores milenares da grande Amazônia? Ao trazer sua história ficcional, ela concentra em Marcielle, Danielle e Marcílio várias outras histórias semelhantes que puderam ou não ser denunciadas, quiçá interrompidas. Ainda que tenha controle sobre a narrativa e ter mais possibilidades por ser uma história ficcional, o grande trunfo está na sensibilidade com que conduz sua obra. Além de não buscar fazer do personagem de Fátima Macedo uma párea por sua omissão com os abusos de seu marido, Brennand é consciente da sua responsabilidade em trazer para a tela, apesar de ficcional, uma história que envolve crimes reais e que ainda acontecem. Sendo assim, a diretora em nenhum momento exibe a violência sexual ou qualquer violação dessas meninas dentro do quadro. Nada de fetichização da barbárie, tão pouco dos corpos daquelas crianças. Apenas o acolhimento e sororidade. Por mais mulheres na indústria do cinema.

Manas foi exibido na 26ª Edição do Festival do Rio.

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