Alex quer voltar para o Brasil, nem que seja para morar debaixo do Minhocão. Está cansada de viver em um lugar que não a reconhece, onde a língua, apesar de também ser portuguesa, não comunica afeto.
Paco quer deixar o Brasil. Ele precisa ver o que os olhos de sua recém-falecida mãe tanto ansiavam em San Sebastián, na Espanha, cidade natal dela.
E o Brasil? Bem, o Brasil está à deriva. Nem ele mesmo se reconhece: está sem cor, sem vida, sem esperança, em tempos de um governo que reteve as economias de todos os seus cidadãos.
Somos todos um pouco estrangeiros quando até o nosso próprio país deixa de carregar a promessa dos sonhos que cultivávamos.
Somos estrangeiros também na vida até que encontremos num outro um lugar de acolhimento. Veja, este outro não é um pedaço de terra, é um abraço, uma alma, um aconchego que, generosamente nos oferece um cantinho de afeto e nos enxerga como nem sabíamos mais que podíamos ser. Pode ser romântico, pode ser fraterno, mas é na troca com esse outro que achamos o pertencimento.
Assim é com os protagonistas de Terra Estrangeira, de Walter Salles e Daniela Thomas. Eles embarcam além-mar em busca de um lugar de descanso, mesmo que isso signifique arriscar sua integridade física, afinal, a emocional já está comprometida.
Um filme com uma fotografia impecável, estrelado por Fernanda Torres, que é, por si só, uma força da natureza, e com um dos desfechos mais marcantes do cinema — pelo menos para mim.
CINÉFILA E PÓS-GRADUANDA EM PSICANÁLISE. Cresceu entre mesas de edição, câmeras, microfones e fitas de locadora, onde passava os fins de semana mergulhada em filmes ao lado do pai. Hoje, imigrante nos Estados Unidos, une sua paixão pelo cinema à psicanálise, traduzindo imagens e sensações em resenhas, análises ou poemas. É criadora de conteúdo no Instagram e coapresentadora do podcast Análise Obsessiva, onde comenta suas primeiras impressões após assistir a um filme com olhar analítico, descontraído e intimista.
2 comentários em “Somos Todos Um Tanto Estrangeiros”
Que sensacional essa presença por aqui! Seja bem vinda, Ka! Amei o texto! O sentimento de deriva e não pertencimento costura tantas vidas por esse mundo. E o não-lugar, acaba sendo o lugar em comum. Uma visão sensível de quem tem a vivência. Sucinta e cirúrgica.
Muito obrigada por essas boas-vindas calorosas, meu amigo! De fato, o filme me toca nesse lugar de estrangeira.
Estou animada e honrada em poder colaborar ao seu lado por aqui. 🙂