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Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá

3/5

Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá

2025

90 minutos

3/5

Diretor: Sueli Maxakali, Isael Maxakali, Roberto Romero, Luisa Lanna

por Natália Bocanera, crítica correspondente do Cinema com Crítica na 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes

A codiretora Sueli Maxakali faz cinema para seu pai, de quem foi separada em consequência da ditadura militar. Através das possibilidades da câmera, ela se aproxima dele, reduzindo os espaços de sua ausência. O documentário Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá, cuja direção também é assinada por Isael Maxakali, Roberto Romero e Luisa Lanna, inicia-se com em plano fixo longo, acompanhado da narração de Sueli, como em uma conversa íntima com seu pai, introduzindo, um a um, os membros de sua família. Esposo (o codiretor Isael Maxakali), filhas e filhos, netas e netos, agregadas e agregados, vão preenchendo a tela quase ao ponto do extracampo, até que a própria diretora se une à imagem. Cada um deles tem uma relação peculiar com a câmera, da timidez à indiferença que faz, por exemplo, um familiar se concentrar em seu celular enquanto o momento é registrado. A imagem é crua, precária, mas transborda afeto e um caráter enigmático que cativa e é imã ao espectador. Um porta-retrato se constroi para representar toda uma história familiar que se modela diante de nossos olhos.

Os Maxakali habitam o estado de Minas Gerais, próximo da fronteira com a Bahia. Dividem-se em quatro territórios nos municípios de Santa Helena de Minas, Bertópolis, Ladainha e Teófilo Otoni, Sueli e sua família integrando a comunidade deste último. Durante a ditadura militar, um capitão do exército que os relatos transmitidos no longa identificam como Pinheiro, demandava que seus soldados levassem pessoas de outros povos e etnias para a sede de Teófilo Otoni, e assim o faziam também com os integrantes dos Maxakali. Luis Kaiowá, pai de Sueli, foi forçadamente afastado de seu povo pelos militares. Um movimento que acontecia Brasil afora, distanciou famílias e forçou o reinício de outras. Luis permaneceu longe dos seus por 40 anos, e a reaproximação só ocorre em razão dos anseios de Sueli e do cinema que ela, doutora em letras, cineasta, multiartista e professora, quer fazer.

Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá, para muito além de ser um filme sobre a busca da diretora por seu pai, é uma retrato das relações familiares daquelas pessoas e um espaço para que os ancestrais, pela oralidade, transmitam saberes que auxiliem na compreensão da tentativa de apagamento da história do povo Maxakali pela ditadura, e, via de consequência, da própria codiretora. 

É, ainda, uma obra sobre línguas e tempo. Único no mundo a ser falado integralmente em maxakali e kaiowá, convida o espectador a entrar num tempo de conversação e fala muito diferenciado do nosso. A língua exige que a comunicação se dê em um ritmo desacelerado. Não há troca de olhares, fala-se em tom baixo, o diálogo parece, por algum tempo, não evoluir, quando pode ser visto, de fato, como um chamado à experimentação de um outro modo de vida e expressão. Fala-se pacientemente, e a escuta é o próprio aprendizado: “Em uma hora, você não fala nada”, é dito pelo ancião que narra os acontecimentos da ditadura, em reforço ao abismo que há entre o tempo de fala dos Maxakali e o nosso.

A peculiaridade do tempo da linguagem falada reverbera no tempo da linguagem cinematográfica. Não há afobação no trajeto. A tranquilidade das ações dos indivíduos e suas formas de expressar permitem aos cineastas planos longos e pacientes, que nos estimulam à apreciação de um modo de fazer cinema que corresponda e seja respeitoso com outras sociedades.

O projeto muito pessoal de busca pelo pai é, outrossim, um processo do próprio desafio que é o realizar fílmico naquele espaço. Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá tem consciência das próprias limitações estruturais e orçamentárias – a claquete é a própria mão dos diretores. É parte fundamental do documentário estampar sua auto preparação, o ato de posicionar objetos e pessoas, as dificuldades de encontrar sinal de celular, transparente na demonstração das adversidades do cinema indígena.


Quando o reencontro de pai e filha acontece, não há apelo emocional. “Saudade o que, o senhor nem atende o telefone”, Sueli manifesta bem humorada quando ele se diz saudoso. Dá-se a palavra, então, para que se expresse aquele com quem o filme dialoga o tempo todo. Há leveza e naturalidade naquela relação que, até então, sequer existia. A demora da câmera nas expressões dos parentes que se reúnem, Luís Kaiowá que sorri com prazer expondo os poucos dentes que lhe restam, as crianças que carregam, sem esforço, uma doçura que preenche as telas, dão sentido ao esforço de Sueli. Importa realinhar os cacos espalhados pelo regime militar, importa reavivar a memória apagada em prol de sua continuidade. Importa compreendermos a necessidade de pausa e abertura de espaço para que novos cinemas se manifestem.

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