Eu sempre gostei de filmes de máfia. Lembro da primeira vez que assisti a O Poderoso Chefão e fiquei hipnotizado com a presença de Marlon Brando em cena. E, ainda que não conseguisse enxergar com clareza a trajetória de Michael, a execução dos chefes das outras famílias durante o batizado ficou eternizada em minha mente. Por muito tempo ele dividiu o pódio de “filme favorito” com Pulp Fiction, de Quentin Tarantino. Na minha mente, era uma decisão lógica pois um era roteiro adaptado e o outro original. Decidi até ler o livro de Mario Puzo, que hoje possuo três edições diferentes. Mas o tema de máfia me conquistou não apenas pela violência, mas pela complexidade daqueles tipos que, apesar de bandidos, seguiam um código de honra. Acabei explorando esse subgênero em diversos movimentos, entendendo os revisionismos e a forma com que foi explorado em diferentes países.
Barry Levinson volta ao universo da máfia com Alto Knights: Máfia e Poder, um filme competente, mas que não vai figurar em nenhuma lista top do subgênero. A trama gira em torno da tensão entre Vito Genovese e Frank Costello, ambos interpretados por Robert De Niro, onde um é a explosão e o outro a contenção. O problema reside em Levinson tenta dar um verniz de O Poderoso Chefão à história, mas o material de origem simplesmente não tem esse peso.
A trama já abre com o que deveria ser o seu grande evento: a tentativa de assassinato de Frank por seu antigo amigo Vito. A cena, que por si só já carrega uma carga de tensão, se desdobra para então nos contar como chegamos ali. Vito retorna ao cenário do crime depois de um tempo refugiado no exterior. Antigamente, ele era o “chefe dos chefes”, mas teve que largar os negócios nas mãos de Frank, seu melhor amigo e um mafioso mais político e discreto. Enquanto Vito quer retomar o controle e impõe sua presença de forma barulhenta e sanguinária, Frank reluta, sabendo que o amigo está colocando todos em perigo. O conflito, então, cresce a partir desse choque de personalidades: Vito não tem paciência para sutilezas, e Frank tenta fingir que está acima da sujeira quando, na verdade, está atolado até o pescoço.

A grande sacada do filme é a dualidade entre esses dois personagens, e a dinâmica entre eles é habilmente explorada. Como Frank diz: “Como alertar alguém que vive na encosta de um vulcão? Eles simplesmente são imunes a alerta.” A frase define a diferença entre os dois. Vito não vive na encosta do vulcão. Ele é o vulcão. Esse contraste entre a impulsividade de Vito e a contenção de Frank é o que move a tensão do filme e dá profundidade ao conflito central. O vulcão é imbatível, impossível de prever, sempre pronto para entrar em erupção. E Frank, ao tentar racionalizar e se distanciar da violência, acaba ficando cada vez mais preso a ela. A frase de Frank ecoa em toda a trama: como se proteger de algo tão destrutivo que não enxerga seus próprios limites?
O interessante aqui é que o filme brinca com essa dualidade de forma constante, algo que fica ainda mais explícito na performance de De Niro. Apesar de competente, está longe de fazer jus à sua potência. Sabemos que há tempos ele opera numa zona de conforto. Poderíamos muito bem ter Al Pacino como Frank ou Joe Pesci como Vito. A escolha de um mesmo ator para ambos os papéis tem seus momentos, mas também se torna um truque que perde o impacto depois de um tempo. E se a atuação de De Niro é segura, o mesmo não pode ser dito da maquiagem. O filme tenta diferenciar Frank e Vito através de próteses, mas a decisão de modificar apenas a parte superior do rosto de um e a inferior do outro cria um efeito artificial incômodo. Ao invés de assumirmos a ilusão através dos maneirismos de cada personagem, somos constantemente lembrados da farsa através do deslumbre de uma máscara de borracha.
O grande mérito de Levinson, no entanto, está no equilíbrio que ele encontra entre a tensão e o humor ácido. Vito arranca risadas pelo jeito intempestivo com que se irrita com seus capangas, enquanto Frank nos diverte pela ironia com que lida com interrogatórios. Essa leveza inesperada impede que o filme caia no marasmo e também serve para evidenciar ainda mais as diferenças entre os dois protagonistas. Levinson ainda consegue inserir comentários políticos afiados, algo que já fazia desde Bom Dia, Vietnã e Mera Coincidência. Um dos momentos mais emblemáticos disso é a fala de um senador que coloca criminosos e comunistas no mesmo saco.

E por falar em Levinson, Alto Knights acaba sendo, de certa forma, um complemento de Bugsy (1991), não só pelo tema da máfia, mas pela narrativa que acompanha a ascensão de novos chefes após a queda de um grande nome do crime. Também não passa despercebida a conexão com outro filme de De Niro, A Máfia no Divã (1999): a reunião dos chefes na fazenda, que termina em um cerco policial, é o evento que abre aquela comédia, narrada pelo personagem Paul Vitti. Mas calma. Não se trata de um DeNiroverso.
A tensão do filme é bem construída, e isso fica claro, por exemplo, na cena da execução na barbearia. A suspensão da cena é regida pela escolha de focar nas navalhas, criando uma sensação de iminente perigo, e mesmo quando a conclusão é dada por armas de fogo, a construção dessa tensão ainda permanece intacta. Mas, ao mesmo tempo, a falta de novidade ao usar imagens documentais e flashbacks para reconstruir o passado já soa como um recurso repetido, principalmente por ser um artifício que Nicholas Pileggi também usou em Cassino (1995), outro grande filme sobre a máfia.
No fim das contas, Alto Knights entrega uma abordagem mais psicológica e temperada com humor, mas sem abrir mão da violência gráfica, porque, como o próprio Vito lembra, eles são criminosos, não políticos. O filme é eficiente no que se propõe, mas falta algo para torná-lo verdadeiramente marcante. Levinson constrói um bom estudo de personagens e um thriller de máfia funcional, mas não chega perto da grandiosidade que claramente almeja. Para os fãs do gênero, vale a conferida, afinal, filmes assim têm sido cada vez mais escassos.

JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 3 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico. Em 2025, criou seu perfil, Cria de Locadora, para comentar cinema em diversos formatos.