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12.12: O Dia

4/5

12.12: O Dia

2023

141 minutos

4/5

Diretor: Kim Sung-su

Meu primeiro contato com o cinema coreano foi há vinte anos, com Oldboy (2003), de Park Chan-wook. Aquela trama de vingança não economizava no sangue e na violência. Seja pelas marteladas ou pelo final surpreendente, o filme me marcou e garantiu minha atenção para com o cinema coreano. A Coreia do Sul produziu muita coisa ao longo dessas duas décadas, desde filmes de vingança até os famosos doramas, mas foi Parasita (2019) quem mais chamou a atenção do mundo ao sair da cerimônia do Oscar de 2020 carregando as estatuetas de Melhor Filme e Melhor Filme Internacional.

Apesar da popularidade crescente das produções sul-coreanas, não me recordo de muitos filmes que remontem à história do país. A Irmandade da Guerra, um drama sobre dois irmãos no front de batalha durante o conflito que dividiria a Coreia em duas nações, é um exemplo. 12.12: O Dia reconstrói o golpe militar que deu origem à Quinta República, uma ditadura que, embora tenha sido responsável pelo primeiro boom econômico do país, também é marcada por perseguições políticas e massacres como o de Gwangju (retratado no filme O Motorista de Táxi, de 2017).

Apesar do título, 12.12: O Dia retrata eventos que antecedem o golpe. Para ser mais exato, a narrativa se inicia logo após o assassinato do ditador Park Chung-hee – evento que marca o fim da Quarta República. A trama acompanha duas figuras centrais que, desde o início, se rivalizam. Lee Tae-shin (Jung Woo-sung) é indicado como chefe do Comando da Guarnição da Capital, um cargo de confiança conferido pelo então Supremo Chefe de Estado, o general Jeong Seung-hwa. Tae-shin é apresentado como o ideal do soldado: leal aos superiores e à pátria, e desprovido de ambições políticas. Do outro lado está o major-general Chun Doo-gwang (Hwang Jung-min), que desejava que o cargo fosse ocupado por um membro da Hanahoe, um grupo privado de militares dentro do exército sul-coreano.

O longa coreano, embora não retrate uma guerra convencional, proporciona uma imersão nos bastidores desse conflito de poder entre suas duas figuras centrais. Tae-shin e Doo-gwang travam uma espécie de jogo de xadrez com suas influências e com o controle das forças militares sul-coreanas. Para além da tensão que permeia boa parte da narrativa, o filme carrega convenções típicas do gênero de guerra, como a figura do soldado heroico e a defesa de um código de honra — elementos que se consolidam na figura de Tae-shin, representando lealdade, obediência e nacionalismo.

Lee Tae-shin (Jung Woo-sung) retratado como um soldado com foco no dever e não no poder. Nota-se sua posição em uma mesa de pouco destaque, localizado no quadro em uma posição inferior dos demais personagens, ainda que no primeiro plano. (Foto: Divulgação)

Como disse antes, 12.12: O Dia presta o serviço de apresentar ao resto do mundo — especialmente ao Ocidente — um pouco da história do país. Para ampliar minha experiência fílmica, busquei saber mais sobre o evento e percebi que o roteiro não precisou recorrer a muitas licenças poéticas para alcançar densidade e emoção. O golpe realmente contou com a adesão de um grupo privado das forças militares — o Hanahoe — no qual Doo-gwang tinha grande influência. Havia um protocolo para chancelar a prisão do Chefe do Estado-Maior que dependia da autorização do ministro da Defesa e que, por pouco, não foi frustrado. A corrida para desmobilizar as tropas mais poderosas da incursão à capital é um dos momentos mais frenéticos do filme — assim como as estratégias para proteger quartéis, figuras-chave e as pontes que conectam os quartéis isolados de Seul.

Infelizmente, o golpe foi bem-sucedido e a Coreia do Sul não teve a “primavera em Seul” que pretendia viver. Quanto a Chun Doo-hwan — o ditador que inspirou Chun Doo-gwang — governou por oito anos até finalmente permitir eleições democráticas. Doo-hwan faleceu em 2021, aos noventa anos. Ainda assim, o filme não poupa esforços em apresentar os aspectos repugnantes de seu antagonista: Doo-gwang é cínico, narcisista, ganancioso e inescrupuloso. E, por mais engenhoso que se revele ao longo dos 140 minutos da narrativa, é impossível nutrir qualquer simpatia por sua figura. Por outro lado, o filme promove uma identificação clara com seu protagonista, por ele representar os valores conservadores de um bom militar e pela desenvoltura como estrategista.

Chun Doo-gwang (Hwang Jung-min) já é colocado como uma figura de destaque centralizada acima dos demais personagens, ainda que no fundo da imagem. Nota-se a diferença de postura entre o fomentador do golpe e os demais conspiradores. (Imagem: divulgação)

12.12: O Dia é um filme ousado por reconstruir um momento nada louvável da história nacional. E o faz com a excelência de um grande representante do gênero de guerra — mesmo com poucos momentos de disparos. A tensão é sua principal arma, e a forma como transforma um evento histórico em um poderoso jogo de xadrez posiciona o longa de Kim Sung-su no mesmo patamar de Zona de Risco (2000). O formato escolhido para contar essa história também reflete ousadia.

Se trouxermos para a realidade brasileira, o mais próximo que temos dos bastidores do Golpe Militar de 64 é o documentário O Dia que Durou 21 Anos (2013). A presença dos Estados Unidos é uma ponte entre as duas produções: a ficção coreana expõe como o golpe poderia ter sido evitado com um simples asilo político, enquanto o documentário brasileiro escancara a interferência americana para abreviar o governo de João Goulart. Em tempos em que muitos preferem esquecer os horrores do passado em nome da estabilidade do presente, 12.12: O Dia prova que há força — e responsabilidade — em revisitá-los. A história, afinal, só deixa de se repetir quando alguém tem coragem de contá-la por inteiro.

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