Dificilmente sou envolvido por chamadas de filmes ou crio expectativas assistindo a trailers. Na verdade, sempre procuro me desviar deles a fim de ter uma experiência imaculada da obra – impossível, eu sei. Mas, em uma dessas ocasiões inevitáveis, me deparei com o trailer de Karate Kid: Lendas. A princípio, fiquei feliz por a franquia ter voltado ao seu lugar de origem: os cinemas. Mas uma imagem carregou de lágrimas meu olhar. A aparição de Jackie Chan com os cabelos brancos me deixou triste. Aquele senhor de idade é um dos meus heróis da infância, e é triste perceber que eles estão envelhecendo. Muitas de suas aventuras e lutas divertidamente coreografadas marcaram presença em minhas memórias. Algumas até tentei reproduzir. Como a vez, com uns 6 anos de idade, em que quis imitá-lo fazendo barra no suporte de toalhas do banheiro. O suporte veio ao chão, eu caí e quebrei a perna. Minha mãe me bateu muito e ainda fiquei um bom tempo com o gesso. Mas o crítico de hoje não existiria sem esse menino sem o menor senso de autopreservação deslumbrado com seus heróis.
A história de Karate Kid: Lendas nos coloca diante de Li Fong (Ben Wong), um jovem prodígio do Kung Fu e aluno do Sr. Han (Jackie Chan), que se muda para Nova York junto de sua mãe (Ming-Na Wen), que busca afastá-lo dos campeonatos de artes marciais após um incidente traumático recente. Enquanto explora a vizinhança e tenta ficar longe de brigas, Li conhece Mia (Sadie Stanley) e acaba se inscrevendo em um campeonato de caratê para ajudar a salvar a pizzaria de Mia e seu pai, Victor (Joshua Jackson). O principal oponente é o ex-namorado de seu interesse amoroso, que possui um estilo agressivo valorizado em um dojô com práticas questionáveis. Para se desenvolver na nova arte marcial, Li conta com a ajuda de seu velho mestre e de Daniel LaRusso, com quem Han possui um vínculo inusitado.
Um grande trunfo de Karate Kid: Lendas é consertar a bagunça feita com o filme de 2010. Aqui, assume-se que o Sr. Han é um sifu de Kung Fu. Além disso, é explicada a relação dele com a luta que dá nome à franquia por meio de um retorno ao passado do estilo Miyagi-Do. Um belo uso de efeitos especiais nos devolve a imagem de Pat Morita no papel que o eternizou, permitindo que este conte como um antepassado deixou a ilha de Okinawa – que na época era um país autônomo – e foi parar na costa da China, sendo apresentado ao Kung Fu pela família do Sr. Han. Gosto que o filme conecte os três universos (trilogia original, o filme de 2010 e Cobra Kai), mas o roteiro peca ao trazer soluções um tanto inverossímeis para o desenvolvimento da história: o professor particular de Li possuir uma cobertura com um jardim em plena Nova York disponível para seu treinamento, por exemplo. Mas o mais desconexo é a próspera ascensão do personagem de Chan, que era um humilde faxineiro em um colégio chinês no filme de 2010 e agora é dono de uma academia de Kung Fu de elite.

Apesar de apresentar um novo protagonista à franquia, Karate Kid: Lendas aposta em uma narrativa que segue os passos do filme original. O enredo traz novamente um jovem com dificuldades de adaptação à nova realidade e que desenvolve uma rivalidade com o ex-namorado de seu interesse amoroso. Apesar dessas similaridades, o filme apresenta diferenças significativas que o distanciam da obra de 1984. Para começar, ao contrário de LaRusso, Li não é indefeso. Inclusive, além de defender Victor de capangas de seu credor, ele é responsável pelo treinamento do “sogro”, enquanto este tenta conseguir dinheiro voltando aos ringues. Ainda que o filme invista tempo de tela na dinâmica entre Li e Mia, ele não se aprofunda na rixa com o ex-namorado. Connor (Aramis Knight) é um dos personagens mais rasos. Sabemos apenas que ele se tornou agressivo após começar os treinos no famigerado dojô, cujo dono possui um passado com Victor. Não há também um embate ideológico entre as academias. E isso fica claro pelo novo filme não pretender ser um filme de torneio, onde essa rivalidade se demonstraria mais efervescente a cada luta.
A dinâmica entre os personagens de Chan e Macchio já soa bem natural em cena. Ela reforça como as duas artes marciais se complementam no desenvolvimento do estilo, e ainda utilizam a metáfora do bonsai – um signo presente em todo o universo de Karate Kid – para ilustrar essa sinergia. É claro que isso é feito sem deixar de lado aquela clássica e divertida disputa de ego entre os mestres, cada um defendendo seu método mais eficiente de treino. Mas o principal acerto é que a presença dos dois ícones não ofusca o brilho do protagonista desta história. Claro que, para além da generosidade dos dois veteranos, o filme também conta com Ben Wong, que além de artista marcial talentoso, provou ser um ator que transpira carisma. Seu oponente está longe do magnetismo ou o peso simbólico de Johnny Lawrence (William Zabka), ainda que se mostre impiedoso com quem cruze seu caminho. Mas, se o adversário não está à altura do nêmesis do filme de origem, ao menos essa carência é compensada pelo par romântico. Mia não deve em nada a Ali (Elizabeth Shue) ou Kumiko (Tamlyn Tomita). No mais, Sadie Stanley se assemelha fisicamente à Mary Mouser, que interpreta Samantha, a filha de LaRusso em Cobra Kai.

Karate Kid: Lendas pode ser dividido em dois momentos: a adaptação ao novo mundo com o interesse amoroso e a resposta ao chamado até a glória final. A primeira metade se desenvolve bem. É nela que o carisma do novo protagonista tem mais chances de brilhar e permite que o público se conecte a ele – principalmente quando se revela a dor particular que faz com que sua mãe queira afastá-lo das artes marciais. Apesar da presença de Chan e Macchio, a segunda metade do filme é um tanto acelerada e não permite com que o clímax tenha o impacto esperado. Apesar do gosto nostálgico que a nova produção da franquia traz, ela também deixa um vazio ao não explorar com profundidade a disputa entre os dois dojôs. Ainda que estejamos calejados em entender os valores que a filosofia Miyagi carrega, não somos confrontados com esse viés ideológico da outra academia e seu dono. Ele está atrelado à narrativa por seu histórico com Victor, mas o personagem é tão genérico que até seu nome foi esquecido por mim. Ele poderia ter aulas com Kreese (Martin Kove) e Silver (Thomas Ian Griffith) sobre como ser um professor memoravelmente odioso.
Apesar de ser uma salada nostálgica com alguns retrogostos azedos, Karate Kid: Lendas é uma experiência sessão da tarde divertida. Principalmente por Li Fong, que é um protagonista mais interessante e agradável que o Daniel San adolescente dos filmes clássicos – sempre achei ele chorão e pentelho. Assim, Li é mais do que capaz de carregar o legado da franquia. E a produção deixa aberta uma janela interessante para a continuidade desse universo na costa leste dos Estados Unidos – já que tanto a trilogia original quanto Cobra Kai se desenrolam na Califórnia, costa oeste –, oxigenando ainda mais esse mundo que ressuscitou como websérie a partir de uma piada em um episódio de How I Met Your Mother onde Barney (Neil Patrick Harris) defende que Johnny Lawrence é o verdadeiro herói do filme clássico.
Karate Kid: Lendas deixa claro sua intenção de conectar o universo da franquia às novas gerações, apesar de subestimar o interesse desse público em roteiros mais robustos. A montagem que explora o uso de drones e diferentes câmeras se concentra em oferecer uma experiência ágil e com foco no movimento. Os cortes e inserções de letterings também deixam o filme muito próximo com a experiência em redes sociais. A segunda metade, em especial o final do filme, parece ter sido editado para o TikTok. Mas para aqueles que não fazem parte da geração Z como eu, podem se surpreender com rimas visuais e homenagens à Arrebentando em Nova York, um clássico dos anos 90 de Jackie Chan dirigido por Stanley Tong, que inspirou até mesmo o jogo de videogame Jackie Chan Stuntmaster, lançado para Playstation nos anos 2000. Quanto ao ator veterano, sua participação no filme é excelente! E, apesar dos cabelos brancos, o ator de 71 anos está bem melhor que o crítico de 34.
Karate Kid: Lendas estreou nos cinemos em 08 de maio de 2025


JORNALISTA, PUBLICITÁRIO E CRÍTICO DE CINEMA. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 3 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico. Em 2025, criou seu perfil, Cria de Locadora, para comentar cinema em diversos formatos.