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De Repente num Domingo

(Vivement Dimanche!), França, 2011. Direção: François Truffaut. Roteiro: François Truffaut, Suzanne Schiffman e Jean Aurel baseado no livro de Charles Williams. Elenco: Fanny Ardant, Jean-Louis Trintignant, Jean-Pierre Kalfon, Philippe Laudenbach, Philippe Morier-Genoud, Xavier Saint-Marcy. Duração: 110 minutos.



François Truffaut admirava enormemente o cinema norte-americano da década de 30/40 e, especialmente, a obra do mestre Alfred Hitchcock. Quis, portanto, o destino que o seu último filme (o cineasta morreria no ano seguinte, vítima de um tumor cerebral) fosse uma divertida brincadeira de gêneros e influências do cinema noir e de tramas policialescas rotineiras do homem acusado de assassinato, tentando provar a sua inocência. Mais do que ninguém, Truffaut conseguiria condensar os dois subgêneros em um só e, a sua maneira, desvirtuá-los acrescentando elementos novos e inusitados que serviriam de suporte narrativo para questionar o cinema.

Em De Repente num Domingo, François Truffaut e os colaboradores habituais Jean Aurel e Suzanne Schiffman adaptam o livro de Charles Williams a respeito de Julien Vercel (Trintignant), um agente imobiliário acusado do assassinato de Claude Massoulier durante uma caçada. Circunstancialmente ligado ao caso – sua esposa era a amante de Massoulier – e tendo deixado impressões digitais no veículo  cuja explicação para isto beira o surreal, Julien é o principal suspeito da autoria do crime, segundo a polícia. Não convencida disto, a sua secretária Barbara Becker (Ardant), embora efusiva e bastante alienada à realidade, ingressa em uma investigação privada para provar a inocência do seu patrão (corrigindo, ex-patrão, Julien a havia despedido na mesma semana).

Reaproveitando o arcabouço básico do cinema Hitchcockiano, a câmera de Truffaut é um integrante fundamental na narrativa, observando à distância certas ações que fogem do conhecimento comum dos personagens (a chegada de um certo carro de polícia) e demonstrando voyeurismo habitual no cinema do mestre do suspense. Brincando com as possibilidades oferecidas pela narrativa, sem contudo desvirtuar a lógica cinematográfica detrás de si, o cineasta francês ao invés de enviar Julien ao encalço do verdadeiro assassino, usa a (quase) ingênua figura de Barbara para este fim, que se mostra uma detetive bem resolvida e astuta na condução do inquérito pessoal. Porém, se no cinema de Hitchcock havia poucas dúvidas na presunção de inocência do herói, Truffaut adentra no insidioso universo das mentiras e frequentemente Barbara se questiona se Julien realmente é o assassino ou não, e nós, por consequência, passam a inquirir a mulher que também parece esconder um mistério sob a facilidade com que se deixa manipular.

Além do mais, se Truffaut homenageia novamente Hitchcock no necessário e autoimposto cárcere de Julien Vercel, restrito ao escritório imobiliário e cuja única visão do exterior é um arco translúcido que lhe permite observar as pernas das mulheres, por outro lado ele alfineta o mestre, humoristicamente, ao inserir não a típica loira, mas uma autêntica e atrapalhada morena. Independentemente disto, na medida em que novas peças começam a emergir no quebra-cabeças e a pilha de corpos mortos cresce, a narrativa abdica da lógica induzindo o espectador a indagações previsíveis e insatisfatórias (não as vou mencionar para não estragar o filme, embora a identidade do assassino seja naturalmente uma delas). Se o nó das pontas é frouxo, ao menos é divertido acompanhar as emboscadas, as furtivas invasões no apartamento de um Padre e a confusão da polícia em resolver o mistério.

Utilizando o grão grosso ressaltando a sujeira encoberta debaixo do tapete da investigação e sombras que flertam com os primeiros anos do cinema noir, mais expressionistas, o diretor de fotografia Néstor Almendros vale-se de um preto & branco funcional envolto de mistério, uma autêntica atmosfera do filme B que Truffaut tanto se reputava no início da carreira como uma de suas inspirações. Por outro lado, Georges Delerue compôs a trilha sonora baseada nos trabalhos de Bernard Hermann, adicionando toques cômicos pontuais que amenizam à descrença provocada justamente pelas extravagâncias e reviravoltas da narrativa.

Apesar de não ser a despedida ideal de François Truffaut, De Repente num Domingo é um exercício agradável, eloquente, despretensioso e sagaz provando (se é que ainda precisa disto) a maestria de um sujeito sensível, um dos grandes e mais importantes cineastas da história do cinema (provavelmente o mais importante do cinema francês) e que, acima de tudo, amava muito o cinema.

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2 comentários em “De Repente num Domingo”

  1. Não farei isto, mas deveria urgentemente procurar uma locadora e alugar, pelo menos: A Noite Americana, Os Incompreendidos, Jules & Jim, A História de Adèle H. e O Último Metrô. 5 para começar 🙂

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