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Crítica | Moana: Um Mar de Aventuras

Moana: Um Mar de Aventuras

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Merida, Rapunzel, Elsa, Anna e agora Moana não deixam pairar qualquer dúvida de que a Disney aposentou a fórmula clássica da princesa – a que espera, passiva e indefinidamente, ser resgatada por um príncipe encantada que irá salvá-la da bruxa má – em prol de uma geração de garotas que podem até sonhar com tiaras brilhantes e sapatinhos de cristal, desde que isto não as impeça de serem aventureiras, seguras de si, fortes e independentes a ponto de dispensarem a presença determinante de figuras masculinas para realizarem grandes feitos e sonhos. É prazeroso, inclusive, assistir a produções que, apesar de ter o objetivo de vender mais produtos, dialoguem de forma franca com o público alvo, valorizem-no e, enfim, acrescentem alguns tijolinhos no muro do orgulho feminino para que, quem sabe um dia, ele esteja tão alto quanto o do gênero oposto, algo que, sejamos justos, a Disney tem realizado desde que Ariel tomou a iniciativa e beijou o príncipe ou que Bela sacrificou-se para salvar a vida do pai.

Escrita por Jared Bush (Zootopia – Esta Cidade é o Bicho) e dirigida pela dupla Ron Clements e John Musker (A Pequena SereiaAladdinA Princesa e o Sapo), a história de Moana: Um Mar de Aventuras (o Brasil e seus desnecessários subtítulos) começa há muito tempo quando o semideus Maui furta o coração de Te Fiti, a deusa da criação, e desejado pela sorrateira bruxa” Te Ka, e inicia uma era de trevas que, anos depois, ameaça a subsistência de uma remota ilha na Polinésia, onde habita Moana Waialiki, a filha única e herdeira do trono do Chefe Tui. Apaixonada pelo mar desde bebê, mas afastada dele pelo pai superprotetor, Moana resolve, incentivada pela avó, viajar além do recife para devolver o coração de Te Fiti. Para isto, precisará da ajuda do exibido e traiçoeiro Maui, a princípio relutante até ajudá-la genuinamente, no tipo de clichê que não machuca a eficácia da narrativa.

Que curiosamente é uma espécie de road movie em alto mar com uma pegada de Fúria de Titãs (!?), pois Moana, ao longo da jornada, precisará enfrentar inimigos com uma pegada mitológica: os Kakamoras, piratas na forma de côcos secos; Tamatoa, um siri gigante e ostentador; e, claro, Te Ka, além de, evidentemente, resgatar Maui. É como se a “princesa” – Moana não gosta de ser chamada assim -, enfrentasse chefões de um jogo de videogame em fases bem definidas, porém, graças a sua personalidade encantadoramente corajosa e à iniciativa e independência de uma jovem capaz de cuidar de si própria sem ajuda de ninguém, a estrutura narrativa cômoda não interfere, apenas decepciona marginalmente, tal como ocorre sempre que a trama recicla elementos de filmes anteriores do estúdio: Maui é a versão Haka de Hércules, que também era um semideus exibicionista e superconfiante; há uma sequência idêntica, em tom e próposito, à clássica aparição de Mufasa nas nuvens em O Rei Leão; o Chefe Tui age tal como fizera o Rei Tritão de A Pequena Sereia; e, finalmente, a canção How Far I’ll Go inspira-se em Let it Go, sem alcançar o patamar de Frozen, e é sintomático que o número musical mais empolgante é também o mais despretensioso: o protagonizado por Tamatoa. A sensação é a de que faltou melhor acabamento da trama.

Um defeitinho que, definitivamente, não acometeu a equipe de animação. E, logo depois de Procurando Dory fascinar os olhos com a perfeição da animação de fluidos, a Disney empurra a barra de qualidade um ponto acima, conferindo à água textura, brilho, cores que variam do azul cristalino ao verde esmeralda e, inclusive, personalidade. O zelo do estúdio, aliás, confere realismo absurdo a elementos aparentemente banais – mas que não são -, como a areia que suja os pés dos personagens ou as tatuagens, particularmente as de Maui, e observe como elas têm um relevo discreto e aspereza. Sobre a fotografia multicolorida, fogem-me palavras capazes de descrever tanta beleza: a paleta é, em geral, incrivelmente viva quanto a cor do crepúsculo, introduzindo tons agressivos e neón durante a incursão no mundo dos monstros ou empalidecendo diante de Te Ka, cujos movimentos inspiram-se nas Sadakos ou Kayakos do cinema de terror japonês, de modo a comprovoar que a Disney não menospreza nem infantiliza o público-alvo.

Garotas cansadas da ideia ultrapassada do poder do beijo do amor verdadeiro, que preferem escapar do comodismo de suas vidas pacatas para enfrentar o alto-mar, além dos recifes, e descobrir qual o limite da própria coragem. Se for para ser assim, Moana é mais um ótimo exemplo para uma nova geração de princesas.

P.S.: O curta Trabalho Interno, exibido antes de Moana, dialoga muito bem com a trama, ao narrar a história de um sujeito quadrado – inclusive na fisionomia -, comandado exclusivamente pela prudência (no meu mundo o nome disto é medo de viver), não pelo impulso e emoção.
[star]


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