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Vingança

Vingança

108 minutos

Dentro do subgênero do terror explorativo rape and revenge (estupro e vingança), popularizado com A Vingança de Jennifer (1978) e passando por sua refilmagem, Doce Vingança (2010), sem esquecer de citar exemplares mais autorais e menos exploitation, tais como Irreversível (2002) e Elle (2016), este Vingança desponta como a primeira narrativa escrita e dirigida por uma mulher, a francesa Coralie Fargeat. E a modificação é nítida ao evitar sensacionalizar ou erotizar o estupro (acredite, isto já ocorreu com frequência), aspecto corriqueiro quando as produções eram dirigidas por homens despidos de empatia e que julgavam que o combo mulher violentada e vingança sangrenta atrairia rapazes igualmente repulsivos quanto aqueles retratados na trama.

Na verdade, Vingança é a narrativa que o movimento #MeToo precisava para debater o consentimento, sendo capaz de dar um nó na cabeça dos marmanjões que ainda não sabem diferenciar o sim do não (ou não querem aprender). A trama tem início com a chegada da típica patricinha Jen (Matilda Lutz, cujo nome homenageia a personagem-título do precursor do subgênero) e do amante, o milionário francês Richard (Kevin Janssens), a uma mansão isolada no deserto para um final de semana de sexo e caça. Ao som de rock ‘n roll tocado no iPod rosa, de óculos escuros, pirulito na boca e sob cores intensas e calorentas, Jen não se opõe a ser apenas o bibelô sexual de Richard, desde que possa desfrutar o sol na beira da piscina, o espumante gelado e as promessas do sujeito. Antes da data prevista para saírem para caçar animais silvestres, Stanley e Dimitri chegam à mansão, sem o menor pudor em babar ante a visão do corpo semi nu de Jen, enquanto esta parece não se importar em ser desejada. Não tarda para que isto impulsione Stanley a estuprá-la, com a conivência de Dimitri, e, após uma série de eventos, ser deixada para morrer por Richard.

A diferença sutil entre o primeiro ato e o restante da narrativa está no consentimento de Jen antes de ser estuprada, igual à garota na balada que dança coladinha ao corpo do rapaz e não recusa suas investidas, mas que não quer ir além disto, ainda que o coquetel de hormônios e machismos dele insistam no contrário. O que a narrativa defende é a permissividade de tudo enquanto não houver a oposição do sexo oposto, manifestando aquele bordão meu corpo, minhas regras ao pé da letra. E, após esta regra de ouro ser violada, não importa quem seja responsável, o gênero masculino torna-se abjeto e repulsivo, e para retratar isto Coralie Fargeat investe na supercâmera-lenta que mostra Dimitri comendo um chocolate ou então na mudança de ângulo para enxergar Richard pelo predador que ele realmente é.

E a narrativa não pretende disfarçar a analogia entre predadores e presas, e nem preciso dizer quem é quem no jogo da vida, e basta lembrar dos escândalos ocorridos na indústria cinematográfica, a pontinha do iceberg de casos de abuso sexual. Outros símbolos também podem ser óbvios a primeira vista, embora isto não diminua sua eficiência, como a maçã mordida e apodrecida (alô, religião!) ou a sequência, inclusive chula sob qualquer aspecto, do homem urinando sobre uma aranha (bem, você deve ser capaz de preencher as lacunas).

A par de tudo isso, a narrativa não esquece suas origens, então não se assuste com a quantidade excessiva de sangue no corpo dos personagens, que esguicha em volumes assustadores, a presença de vísceras, cabeças explodindo (em uma homenagem explícita às décadas de 70/80) e o processo de cauterização inusitado, com um significado aberto e inteligente. Tudo isto enquanto Jen engendra a vingança, não apenas pelo prazer nisto, mas para sobreviver àquelas vozes que pretendem calá-la.

E, a considerar o momento do #MeToo, felizmente eles jamais conseguirão.


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