Dirigido por Pete Travis, o filme imerge em um tom de constante vigilância e insegurança, com cortes secos e múltiplas tomadas de um mesmo evento. O enquadramento em terceira pessoa de alguns diálogos é outro recurso feliz e que remete a práticas de espionagem como se os personagens sempre estivessem escondendo algo. E se em um determinado momento um personagem diz que “Na África do Sul, os segredos são um estilo de vida”, isto se torna mais claro quando Michael Young (Johhny Lee Miller), executivo da Consolidated Goldfields, nunca usa o mesmo orelhão, sob o medo de estar sendo vigiado. A escalada do medo apenas aumenta com as ameças de carros explosivos, cartas bombas e terrorismo – e o cuidado (paranóia?) com que o professor Esterhuyse trata de seus assuntos revela uma boa verossimilhança e comprometimento com o clima da narrativa.
O roteiro de Paula Milne, além de investir em diálogos elegantes e bem construídos enfatizando sempre os dois pólos da situação, nos oferece um Mandela bem menos beatificado (e é uma pena que Clarke Peters não aproveite a oportunidade). A roteirista também é inteligente ao incluir um pequeno momento de descontração após uma das reuniões que se mostra necessário diante dos eventos perturbadores que vem a seguir.
Mas aí vem o maior trunfo do filme. Ao confrontar duas personalidades que se distinguem apenas pela cor de sua pele, a narrativa cria dois ótimos e trágicos personagens. Esterhuyse, homem de família e pacífico, não vê a hora do cessar dos atos de violência, e vê-lo manuseando uma arma enquanto olha para sua família na varanda – em uma ótima atuação de William Hurt – é um dos melhores momentos do filme. Do outro lado, o presidente da CNA Mbeki, defensor dos atos terroristas em instituições militares e financeiras, mostra-se convincentemente abalado quando uma outra facção comete atos contra civis. Mas, é na iminência da paz, que Chiwetel Ejiofor revela um lado esperançoso pois, definindo o medo como instrumento do Apartheid, ele é imediatamente complementado por Esterhuyse: “Nossa política do medo deriva de um dia sabermos que seremos punidos pelo mal que infligimos”.
Completando o elenco, está um sólido Mark Strong, como o Dr. Niel Barnard, homem de inteligência e confiança de P. W. Botha que ao mesmo tempo em que espiona a reunião através do professor Esterhuyse tenta extrair informações de Mandela. E o simples ato de tirar o filtro do cigarro antes de fumá-lo ajuda a defini-lo na narrativa.
Ao ver um dócil cavalo reagindo brutalmente a um tiro disparado no ar, podemos imaginar a escalada de medo e violência que imperou entre brancos e negros nos tempos do Apartheid, algo que Frente a Frente com o Inimigo retrata com absoluta segurança, competência e sensibilidade em cada minuto de projeção.
Avaliação: 4 estrelas em 5.M
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
1 comentário em “Crítica | Frente a Frente com o Inimigo”
Ainda não tive o prazer de olhar essa obra, mas ja tenho otimas expectativas a partir dessas observações.