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Belfast

Belfast

98 minutos

Autobiografia de Kenneth Branagh está indicada a 7 Oscars

Belfast começa no tempo presente, enquanto a câmera passeia para revelar a identidade da capital da Irlanda do Norte a partir de monumentos históricos antes de pular o muro em direção ao passado e encontrar Buddy (Hill) brincando de batalha campal no meio da rua. Mal o garoto sabia que a guerra civil entre protestantes e católicos se aproximava da vizinhança pacata onde morava e sacudiria uma família de seis (avós, pais e irmão) que enfrentava problemas financeiros. A razão para isto é o vício do Pai (Dornan) em jogos de azar e corridas de cavalo, embora isto não seja uma interrogação maior sobre o caráter do Pai, que permanece ausente e distante por trabalhar em Londres para manter a família.

A família é o fio condutor da narrativa, e Kenneth Branagh evita palestrar e julgar os eventos sociopolíticos porque adota o ponto de vista inocente de Buddy, que sequer entende porque aquelas pessoas que eram próximas brigam entre si. E apesar de adotar a guerra civil e suas consequências como um contexto que exige a tomada de decisões dos pais, Belfast é sobre fragmentos de memória, adulterados pelo tempo, e a emoção desencadeada ao encarar o passado, o lugar de onde se veio e ainda para quem permaneceu. Belfast é feliz em tornar a narrativa uma montanha russa de sentimentos, estruturada de maneira casuística, em micro eventos que não completam o quebra-cabeças, embora sejam suficientes para entendermos a dinâmica familiar e o contexto por onde navegam.

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O cenário de guerra civil não impede a família, protestante, de celebrar o natal

O foco da maioria de críticas dirigida ao filme é o que o torna mais especial para mim. Não é um filme apenas sobre a história, mas sobre uma atmosfera. É por isto, por exemplo, que a fotografia de Haris Zambarloukos investe em ângulos baixos que acentuam o tamanho dos adultos e ilustram a chegada de nuvens espessas no prenúncio de uma tempestade metafóricas. E, naturalmente, Kenneth Branagh retrabalhará este símbolo quando o céu estiver claro e, bem, vocês entenderam qual é o significado disto. Por falar em Haris, a fotografia preto e branco de Belfast remete à estética de Roma, de Alfonso Cuarón, com elementos narrativos característicos de JoJo Rabbit, em como Buddy não parece enxergar a realidade decadente que o cerca, ao menos não o bastante para prejudicar a vivência infantil.

Ao lado do diretor de fotografia, Kenneth Branagh orquestra enquadramentos com obstáculos colocados diante da câmera, posicionada detrás de arame farpado ou de portas entreabertas no momento em que Buddy entreouve a conversa dos pais. Além disto, não faltam em Belfast planos divididos por um elemento presente no cenário, a exemplo da escadaria que separa a Mãe (Balfe) de Buddy em um momento de maior dramaticidade. Contudo, essencial ao êxito da narrativa é a confiança de Kenneth em Jude Hill, mantendo a câmera fixa e em close up em seu olhar emotivo e multifacetado desde a cena inicial, quando, no movimento circular, muda a realidade daquela vizinhança para sempre.

How to Watch 'Belfast' Online - Where to Stream 'Belfast'
Caitriona Balfe interpreta a Mãe de Buddy

Como citei Jude Hill, é difícil não comentar o êxito da atuação de Caitriona Balfe. Ela é a dona de casa típica daquele período e responsável praticamente solo pela educação de seus dois filhos, e é dela a recusa maior em deixar a cidade, por perceber que arrancar as raízes pode equivaler a romper os laços que unem a família. Já Jamie Dornan tem uma atuação competente em evocar a correição de quem sabe que a religião é apenas mais um elemento que provoca a separação entre as pessoas, não a união. E se Ciarán Hinds revive o faroeste clássico nos momentos em que é visto encerando a sela, Judi Dench, a atriz favorita de Kenneth, está bem embora não bem o bastante para conquistar uma indicação ao Oscar.

Agora, de volta a Kenneth Branagh, para um diretor habituado a contar histórias de personagens distintos – Hamlet, Thor, Henrique V, Hercule Poirot, Doutor Victor Frankenstein, William Shakespeare e até mesmo o jovem Artemis Fowl -, é curioso que agora seu foco seja o mais ordinário dos indivíduos. Ao menos, antes de este próprio tornar-se um artista extraordinário.

Belfast é agradável, caloroso apesar dos pesares, que celebra a vida dos que foram e dos que ficaram, a ponto de colorir, na imaginação e graças ao elenco consistente, o preto e branco que cerca um período no tempo difícil e que pode ser superado apenas ao lado da família.

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