Elaborado sobre um inquestionável clichê, a amizade entre dois seres absurdamente antagônicos, o desajeitado e socialmente excluído filho de viking Soluço e o dragão Banguela, Como Treinar seu Dragão logo em seu ágil prólogo consegue estabelecer satisfatoriamente a dinâmica do povo viking, a batalha contra os dragões e a distribuição de funções.
Destacam-se, narrativamente, belas rimas que demarcam bem o relacionamento entre Soluço e Banguela. Sem conseguir voar, em razão de haver perdido uma das asas, Banguela apenas se torna completo quando “pilotado” por Soluço através de uma asa falsa e uma maquinaria criada pelo garoto. A outra rima, ainda melhor, nos é revelada no epílogo, e é perfeita na concepção e no paralelo que desenvolve.
Os diretores Dean DeBlois e Chris Sanders investem no 3D, felizmente sem recrutar os truques infantis de arremessar algo na tela. A dupla está mais interessada em criar cenas de tirar o fôlego nos vôos do dragão, com uma extraordinária sensação de imersão em profundidade. E se temos momentos densos, embalados pela boa trilha sonora de John Powell, como aquela em que vários dragões surgem pouco a pouco na neblina até preencher completamente o quadro ou em um ataque de uma criatura gigantesca, também registramos o satisfatório uso da comédia e a existência de inúmeras espécies de dragões se prova um recurso acertado.
Detalhista, das sardas dos jovens vikings aos pelos no braço de Stoick, das escamas ao olhar profundo do dragão. Até as cenas aquáticas são tecnicamente perfeitas, e a água é um dos maiores desafios dos animadores. Também observe como o olhar triste e melancólico de Stoick ao confrontar e se desapontar com Soluço ganha mais vida do que se muitos atores de carne e osso o tivessem encenado.
Como Treinar seu Dragão é divertido, engraçado, dramaticamente eficiente e impactante ao deixar uma sensação agridoce enquanto testemunhamos o último vôo de uma excelente história de amizade.
Avaliação: 5 estrelas em 5.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.