Em uma narração in off do Homem (Viggo Mortensen), construímos em nossas mentes a tragédia do mundo, que a cada dia mais cinza dá seus últimos sopros de vida. Neste conceito, a fotografia de Javier Aguirresarobe em um mundo quase sem cores, nos convida a conhecer um mar de árvores mortas, incêndios comuns em floresta antes densas e o completo declínio da civilização na destruição de seus arranha-céus, de auto-estradas e majestosos navios.
A direção de John Hillcoat limita-se acertadamente a acompanhar o cotidiano dos dois protagonistas, interrompidos por flashbacks do relacionamento do Homem e a Mulher, usando para isto os sonhos do Homem. Hillcoat também acerta na bela rima, quando o Homem ao deslizar sua aliança sobre uma superfície rachada, ilustra a plena separação da Mulher.
Porém, constatar o próprio limite do ser humano é o que torna A Estrada tão relevante. Pois, ao observarmos um pai ensinando um filho a se matar por temer não ter forças para o fazê-lo, vislumbramos que por mais angustiante que seja, este momento se encaixa perfeitamente naquele contexto. Paralelamente, o sorriso discreto surge ao testemunhar a ingenuidade nos olhos do Garoto ao beber uma simples coca-cola ou achar um depósito subterrâneo repleto de comida. Mas, é a imagem de um porão repleto de corpos quase cadavéricos e o eterno medo do canibalismo que aterroriza pela amoralidade de um ato que para muitos é o último recurso de sobrevivência.
Viggo Mortensen, discípulo do Método de atuação, entrega-se fisicamente ao papel, exibindo uma magreza extrema. Seu Homem, no seu pragmatismo diário por sobrevivência e imerso em pessimismo, não hesita de praticar atos brutais, como abandonar um ladrão apenas com a roupa do corpo. Já o Garoto (Kodi Smith-McPhee), a justificativa da própria vida do Homem, é a balança moral e emocional fundamental da narrativa, relembrando a partir de seus questionamentos infantis a necessidade de ser um homem bom. Já Charlize Theron, a Mulher, aflita ao por o filho no mundo devastado rende-se à decisão egoísta de abandonar a família e abdicar de sua própria vida. Mas quem poderia questioná-la? Finalmente, Robert Duvall, como um idoso andarilho, coberto em espessa maquiagem, nos lembra porque é um dos grandes atores do cinema em uma curta, porém intensa participação.
Humanidade apenas existe enquanto os homens mantiverem-se bons a si mesmos e aos semelhantes. Neste sentido, A Estrada peca no otimismo exagerado dos segundos finais. Mas até ali, o filme já se tornara uma experiência única, dolorosa e inquestionavelmente poderosa.
Avaliação: 5 estrelas em 5.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
4 comentários em “Crítica | A Estrada”
Interressante como um filme e a realidade hoje em dia estao proximos. Ate onde podera ir nosso limite pela sobrevivencia??? Ou sera que ja estamos vivendo o nosso limite. Ate quando podemos ser corretos vendo tudo ao nosso aredor errado e manter um bom coracao… Agora vc me deu vontade de ver o filme! From Celly – U.S.A
Celly, estamos aqui pra isso =)
Espero que veja e aprecie!
Ola Marcio Sallem! Tudo bem?
Desculpas mas eu estou tentando encontrar esse filme aqui onde moro(Ocoee-Fl, U.S.A) mais nao consigo achar na blockbuster. Que chato ein…. Vc sabe algum site onde eu posso dar download nele pra mim??? Tks…
celecina, desculpa mas não posso ajudá-la nisto!
O título é The Road! Foi lançado nos cinemas americanos no final de 2009 – limitado. No Brasil agora em Abril!