Apaixonado por sua música, o que forçosamente faz com que a trilha sonora seja de tirar o fôlego, o diretor e roteirista Richard Curtis genialmente inicia a narrativa com telas divididas que relembram um rádio sintonizando em diversas frequências distintas para apresentar a história de James (Charlie Rowe), um jovem rebelde mandado a bordo do Barco do Rock para viver com seu padrinho Quentin (Bill Nighy). Lá, além de se tornar membro daquela família de DJs e apresentadores, James experimenta clichês como a perda da inocência e a busca pelo pai que não conheceu. Adotando múltiplas linhas, a narrativa se desenvolve também nos interesses de Alistair Dormandy (Kenneth Branagh) de tornar ilegal e fechar de vez as rádios piratas.
Richard Curtis mostra com eficiência como a música é algo pervasivo, democrático e sobretudo sem preconceitos. Os interlúdios musicais (as vezes, em excesso) revelam a capacidade do rock ‘n roll ser o elo comum entre sexos, raças e idades distintas. Além disto, Curtis acerta no bom humor, como na disputa entre os DJs The Count e Gavin tal qual um faroeste, ou no corte posterior ao casamento de Simon e na forma como é montada a apresentação da chegada do novo DJ.
Já a fotografia de Danny Cohen é feliz ao acentuar as cores nas cenas no barco, e observem como a câmera parece estar boiando, nunca nos deixando esquecer que nós estamos juntos com os personagens. Além disto, nas cenas envolvendo Dormandy e Twatt (Jack Davenport, em uma escalação inspirada, tendo em vista que ele foi o Comodoro Norrington que caçava o pirata Jack Sparrow em Piratas do Caribe), a fotografia frisa quase o tom de conspiração, usando closes, ambientes fechados e um tom essencialmente azul e triste. E não posso esquecer de citar que o bigode e o penteado de Dormandy instintivamente o remetem à Hitler.
Com um grande elenco, com nomes como Philip Seymour Hoffman, Bill Nighy, Rhys Ifans e Emma Thompson, Nick Frost rouba todas as cenas como Doctor Dave, um Austin Powers rechonchudo e muito divertido.
A experiência só não é melhor porque Richard Curtis estende demais a duração – quase 140 minutos -, perdendo a mão no último ato, com um tom mais trágico que não condiz com a narrativa. Mesmo assim, a seleção musical de fazer inveja ao Rob Gordon de Alta Fidelidade é agradável para mascarar os raros momentos ruins e ajuda a discutir o falso moralismo do conservadorismo britânico como sátira do nosso modo de vida e amadurecimento pessoal, e nisto, Piratas do Rock não se torna apenas tematicamente similar a Quase Famosos, como também na qualidade e no bom gosto.
Avaliação: 4/5.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.