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Oppenheimer

4/5

Oppenheimer

2023

180 minutos

4/5

Diretor: Christopher Nolan

3 de agosto. Faz cerca de duas semanas que assisti à Oppenheimer, a biografia escrita e dirigida por Christopher Nolan, e somente agora estou sentado em frente ao computador, escrevendo o texto, mesmo sabendo que será menos lido porque não aproveitou o hype. A verdade é que estou escrevendo para mim, não pra vocês, a fim de aplacar a ansiedade a respeito do que senti sobre o filme. Até porque, a esta altura do campeonato, muitíssimo já está debatido, sob os escombros da velocíssima internet.

Logo na saída da sessão, havia escrito isso em meu caderno de anotações. “Oppenheimer está repleto de elementos para os detratores do diretor criticarem utilizando frases de efeitos retiradas do próprio filme. Ou pela falta de sutileza no retrato de um personagem tão perturbado e complexo. Tem elementos para os defensores da obra do diretor, em como emprega o potencial do audiovisual para o espectador permanecer dentro da cabeça do protagonista. Não do lado de fora, assistindo-o. Talvez um aspecto crucial seja que Nolan tenha mais capacidade de resolver uma das equações deduzidas por Oppenheimer, do que de ‘resolver’ a personalidade contraditória do protagonista”. Era assim que pensava em começar o meu texto, e pegaria da frase final o gancho para iniciar o parágrafo seguinte. Dá para notar que, hoje, esta não é a decisão que tomei no meu texto.

A realidade é que, enquanto escrevo, estou refletindo sobre a utilidade da crítica de cinema, de uma forma parecida talvez em como Christopher Nolan reflete acerca da utilidade da arte do cinema depois de 128 anos da invenção dos Lumière e, analogicamente, como J. Robert Oppenheimer refletiu a respeito da utilidade da ciência: bela na teoria e cruel na prática. O cientista está associado ao mito de Prometheus, que roubou o fogo da forja dos deuses e o presenteou à humanidade, sendo punido pela eternidade. Inclusive, a biografia adaptada pelo roteiro de Nolan é intitulada American Prometheus. Daí, acredito que muito do mistério em torno da culpabilidade e responsabilidade pela devastação da bomba atômica pode ser respondida do mesmo modo que este paradoxo: “A luz é formada por partículas ou por ondas?”.

Oppenheimer é, nas palavras da física quântica, inocente e culpado ao mesmo tempo. É um Gato de Schrodinger, uma equação irrespondível, acentuada pela performance misteriosa de Cillian Murphy, um ator habilidoso em proteger os segredos dos personagens detrás do olhar expressivo mas conciso.

Por um lado, a função do gênero biográfico é a de dissecar o biografado. Abri-lo e expor suas entranhas e engrenagens, para compreendermos o que o estimula, em que acredita, o que o coloca em movimento. Por outro, Nolan é humilde (uma má escolha de adjetivo?) em admitir a incapacidade de emitir um parecer sobre o que pensa e sente sobre o biografado. Nolan não resolve a equação, apenas a redige no quadro cinematográfico, a partir de uma combinação equilibrada de imagens, sons e tempo. Sentimos algo próximo do que Oppenheimer sentiu – ou do que Nolan crê que tenha sentido. Apesar disso, não temos a capacidade de decifrar o que sentimos porque não temos o instrumentário para isso. 

Nolan até tenta didatizar a experiência. A física se torna menos nebulosa para nós, quando os personagens conversam entre si como se estivessem conversando com leigos. Um jarro de vidro é a barra de progresso da bomba e divide com ela a mesma forma geométrica. É um aspecto que posso aceitar, pois nenhum de nós é obrigado a compreender física quântica. Contudo, não deixa de ser sugestivo a facilidade com que Ron Howard tenha explicado a matemática de John Nash em Uma Mente Brilhante.

Por outro lado, a narrativa é expositiva. Primeiro, de uma maneira falada: “Como uma estrela morre?” é a pergunta profética que transforma o brilho de Oppenheimer na escuridão do buraco negro. Segundo, de uma forma visual. Nolan explica e enfatiza, inequivocamente, que os círculos feitos pela chuva nas poças de água ou no lago são as reminiscências dos raios de destruição da bomba atômica desenhados com o compasso no mapa. Por último, a exposição é estrutural e a narrativa é subdividida em metades desiguais. O ponto de vista subjetivo de Oppenheimer (Mozart) e o objetivo de Strauss (Salieri) – as sinfonias que escutamos na trilha sonora ajudam a comparar com o clássico Amadeus. A maneira com que Strauss enxerga Oppenheimer é desapaixonada na fotografia preto & branco. E é realçada pelo brilho das sombras do arisco Robert Downey Jr. que recorda a quem tenha esquecido quão bom ator é.

Alguns desses elementos foram menos comprometedores do que outros, narrativamente. Contudo, nada justifica Nolan expor a conversa entre Oppenheimer e Einstein para criar um paralelo falso e tentar fechar a narrativa com chave de latão. A simplificação da física para torná-la acessível ao espectador leigo não é o mesmo que a simplificação do cinema. Esta infirma a quantidade de maneiras que podemos perceber e sentir a simbologia da obra. Ao mastigar demais a experiência – a cena em que Cillian é desnudado diante do Conselho de Segurança só não é pior do que a transa diante de Kitty -, Nolan correu o risco de ser o destruidor de seu próprio filme, um fardo que não o acomete pela capacidade que tem de subverter a acusação contra Oppenheimer: “Ninguém sabe no que você acredita”.

De fato, após 3 horas ninguém saberá, mas saberemos o que Oppenheimer sentiu (ou pode ter sentido). É sobre isto a narrativa, afinal de contas. A cena em que é recebido na palestra sob aplausos, batidas no piso ou flashes é reveladora da habilidade de Nolan em retratar o estado emocional interno, e não as coisas como foram, e rapidamente o que é a acolhida, vira hostilidade. É por isso também que o teste de Trinity não é espetacular de modo épico, porém íntimo: Nolan transforma a explosão na vitória de Oppenheimer; é a respiração dele que escutamos entre o silêncio e o estrondo. É ao lado dele que permanecemos. A bomba não é o êxito de Nolan. Ou melhor, até é, mas não do realismo prático que tem marcado sua carreira, e sim da sensibilidade estilística em perceber o instante de estar atrás das cortinas.

E muito se comentou sobre Nolan não ter retratado a explosão em Hiroshima e Nagasaki, mas raros comentaram como isso ajuda a compreender melhor o que Oppenheimer sentiu. Ele compartimentaliza, da mesma maneira que o Projeto Manhattan é compartimentalizado e da mesma forma que o tempo é compartimentalizado em linhas narrativas que se somam a fim de acentuar a emoção e o suspense na narrativa. A trilha sonora de um modo geral (edição e composição) ajuda a notar a relação conflituosa entre Oppenheimer e a bomba, por si enxergada como um marco da ciência até ser posta em prática e se tornar só a morte.

A ciência é igual à música; pode ser sinfônica, pode ser caótica. A biografia pode estar além de respostas, pode estar no sentir. Eu senti um Oppenheimer narcisista, ingênuo ou que se defendia detrás da ingenuidade de quem mentia para si que bombas são feitas para exercer hegemonia e trazer a paz no mundo, não para explodir e matar centenas de milhares de inocentes. Também senti um Oppenheimer frágil, pesaroso pela culpa e pelo ostracismo, e incapaz de desfazer o que fez como descartou a maçã envenenada.

E, de certo modo, acredito que Nolan tenha se identificado com Oppenheimer. Não só pela vaidade com que encara o próprio fazer cinema e que destila a sua fragilidade nas sutilezas que lhe escapam. É na humildade de não exercer um juízo definitivo acerca deste homem, cuja genialidade reconhece sem ignorar suas contradições.

Oppenheimer, personagem, e em menor grau, o filme, é estrela e buraco negro ao mesmo tempo. Brilha e encanta com a mesma força com que atrai para sua escuridão inescapável. E esta crítica é a minha tentativa de compartimentalizar, em um post que será perdido em uma constelação a mercê da boa vontade dos algoritmos, um sentir que nem mesmo agora sou capaz de acessar. Talvez aí esteja a beleza de Oppenheimer, fazer-nos experimentar o paradoxo de nossa confusa condição humana.

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3 comentários em “Oppenheimer”

  1. Avatar
    Kênia Neves

    Amaria tê-lo 9uv8do falar de Oppenheimer lá em Cannes,o Texto,aqui é muito pedagógico,queria vê-lo com o goração falando lou9 após ver a película e não sentir que foi só menos um pouquinho contaminado por algumas viroses de achismos da Internet.
    É um filme que aprendi amar desde quando assisti o documentário que saiu antes do filme e vi o próprio Oppenheimer quase a chorar…
    Mas é sempre muito bom ler algo tão dimensionado!
    Mas aí da prefiro o crítico que se leva pela bile!

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