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Crítica | O Bem Amado

Baseado na obra de Dias Gomes, O Bem Amado é uma sátira oportuna e bem humorada sobre a corrupção na política Brasileira. Anteriormente interpretado por Paulo Gracindo em 1973, o nefasto prefeito Odorico Paraguaçu, da distante e pacata cidade de Sucupira, ganha vida nas mãos do talentosíssimo comediante Marco Nanini, que cria um personagem fantástico e maior que a própria vida.

Com um prólogo extenso em que procura contextualizar a história junto a Guerra Fria e a Ditadura Militar ao mesmo tempo em que vemos a vingança de Zeca Diabo (José Wilker, bom) contra o prefeito de Sucupira, o roteiro recorre à ausência de um cemitério para enterrar o ex-prefeito, como promessa principal da campanha de Odorico. Com seu jeitão falastrão e demagogo, Odorico se torna novo prefeito de Sucupira, tomando posse com as “mãos limpas e o coração puro“.

O diretor Guel Arraes (dos melhores Lisbela e o Prisioneiro e O Auto da Compadecida) apresenta Odorico de forma reverente com um lento travelling enquanto o político discursa no velório do ex-prefeito. Mas é no plano da cruz, ao vermos Odorico filmado de baixo para cima como se estivesse crucificado, que temos a verdadeira noção da imensidão daquele personagem na literatura nacional.

Investindo em um acentuado tom cômico para retratar uma tragédia, Guel Arraes erra quando investe na trilha sonora desnecessária do cinema pastelão – o personagem bate um livro na cadeira e um tecla grave de piano é ouvida no fundo. Falhando também dessa forma na fala simultânea das irmãs Cajazeiras: Dulcinéia (Andrea Beltrão), Juju (Drica Moraes, excepcional) e Dorotéia (Zeze Polessa).

Mas felizmente existe um Marco Nanini. Dotado de um timing cômico invejável e uma composição caricata que funciona ao remeter a inúmeros medalhões da política nacional, Nanini cria um Odorico através do gestual, da voz valorizando cada sílaba – como se ele adorasse o som da própria voz -, nos neologismos (“apenasmente” é apenas um deles) e hipérboles. Se impondo a cada um que compartilha a cena consigo, Odorico consegue até justificar a importância da corrupção para a democracia. E na esteira da importância pesada com que vê o cemitério – seu grande elefante branco -, Odorico se depara com um divertido “recesso necrofílico“, pois se ninguém morre na cidade como ele pode inaugurar sua grande obra?

Dono de frases memoriais, créditos à obra de Dias Gomes, Odorico consegue calmamente e com um ar quase célebre confundir o interlocutor empregando “o amor é talqualmente uma bananeira, dá um cacho só” ou “o pároco em matéria de surdez é quase um Beethoven“, e esta forma de humor funciona porque toma o espectador desprevenido. Os devaneios de Odorico ao imaginar a inauguração do cemitério e os seus planos mais elaborados de enrolar o povo de Sucupira se tornam cada vez engraçados à medida em que se aproximam da tragédia política e moral.

Rivalizado por Vladimir (Tonico Pereira), o dono do jornal local “A Trombeta”, vislumbramos o lado negro da liberdade da imprensa, quando calmamente afirma ao idealista Neco (Caio Blat, descartável) que algo existe porque ele inventou nas páginas de jornal. Tão nefasto quanto Odorico, Vladimir ainda justifica suas maquinações como forma de defender o povo. No entanto, Tônico Pereira é menos cativante do que Nanini empalidecendo sempre em comparação. Finalmente, é descartável o romance entre Neco e a personagem de Maria Flor, que não acrescenta nada afora desperdiçar minutos preciosos.

Uma sátira a inúmeras Sucupiras no interior do nosso Brasil, O Bem Amado sobriamente mostra como até o mais correto cidadão pode ser maculado pela corrupção política. E pontuando com uma ironia não tão sutil, tem-se uma atuação magnífica de Marco Nanini em um filme mediano.

Avaliação: 3 estrelas em 5.

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