Para quem preferir conhecer de cara o desfecho das 127 Horas que o alpinista Aron Ralston enfrentou, preso pelo braço sob uma pedra em um cânion em Utah, basta digitar o seu nome em sistema de pesquisa (leia-se: Google). A escolha é do público, e não é “imposta” acidentalmente. Portanto, o que mais me impressionou inicialmente neste candidato ao Oscar de Melhor Filme não foi exatamente a qualidade da atuação de James Franco ou a direção sensorial de Danny Boyle… não, antes fosse, pois o que me chamou mais atenção foi o desserviço dos veículos de imprensa e da mídia em entregar de bandeja o destino do protagonista e detalhes cruciais acerca de sua batalha pela sobrevivência. Assim, qualquer um que abrisse as páginas as páginas da Veja e Isto É, folheasse algum dos jornais de maior circulação ou mesmo clicasse despretensiosamente na internet arruinaria a experiência – não argumentem sobre a obviedade, pois, o arrebatador Na Natureza Selvagem revelou um desfecho distante do que seria o esperado.
Bem, mas se mesmo os letreiros incluem um detalhe que, aos mais atentos, indicará o desfecho da narrativa, então, a experiência está prejudicada desde o berço. Escrito por Danny Boyle e Simon Beaufoy, o roteiro é econômico em razão das limitações espacial e temporal da história contada, recorrendo ao show solo de James Franco a partir dos detalhes de um vídeo caseiro filmado pelo alpinista durante o acidente. No entanto, “trapaçeando” as restrições impostas pela história, mas sem serem desleais, os roteiristas introduzem uma série de flashbacks da família ou de uma ex-namorada e alucinações no momento mais catártico de sua jornada. Se por um lado estes elementos são um gole de água fresca durante a exaustiva experiência, eles ainda carregam o valor narrativo de desenvolver a personalidade de Ralston.
Mas não apenas um relato documental das 127 horas de desespero de um ser humano, o diretor Danny Boyle transforma a experiência em um show de excessos: o abundante uso da câmera subjetiva, as tomadas panorâmicas do desértico e isolado complexo de montanhas e fendas, travellings que revelam a dimensão da enrascada em que o alpinista se meteu, ângulos baixs enfatizando a dimensão heroica de Ralston, nada escapa de Danny Boyle que nunca foi dado ao comedimento (vide A Praia).
E apesar de todos os esforços em chamar a atenção para a direção, inclusive na montagem compulsiva de Jon Harris e os incontáveis cortes a cada milissegundo só para revelar de todos os ângulos possíveis a expressão no rosto de Ralston, o filme é de James Franco. Assim como comentei sobre Colin Firth, Franco nunca me pareceu um ator dos mais talentosos. Com sua cara de cafajeste de vilão de comédias românticas para adolescentes (algo que ele foi), o seu auge pareceu ter sido como o antagonista e melhor amigo de Peter Parker na trilogia do Homem Aranha.
Mas na pele de Ralston, Franco surge espetacular. Arrogante e inconsequente, mas ao mesmo tempo cativante e apaixonante, o rapaz parece ganhar vida na adrenalina do seu hobby. Assim, quando o vemos pedalar nos ondulados e perigosos desníveis rumo ao Cânion e ao revelar a duas aventureiras uma forma diferente de mergulho, enxergamos no sujeito a alegria de viver em constante aventura na natureza. Isto torna maior a ironia de ser ameaçado justamente por aquilo que mais ama. Pequenos detalhes ainda acrescentam à atuação de Franco: o fechar apertado da garrafa d’água para evitar a evaporação, o semblante tenso ao alcançar com os pés um canivete derrubado.
Se torcemos pela sobrevivência do protagonista não é por causa do sensacionalismo de Danny Boyle, dos recursos visuais e técnicos e das artimanhas do roteiro, e sim pelo jovem ator que abraça de coração e alma um papel dificílimo e logra êxito.
Avaliação: 3 estrelas em 5.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
2 comentários em “Crítica | 127 Horas”
Quem gostou deste, vale a pena espiar Enterrado Vivo com Ryan Reynolds. Mais claustrofóbico e sem o uso de recursos extra.
Não gostei mto do filme, fiquei esperando mais flashbacks, como em "Quem quer ser milionário?", para contar algo mais da história e ter uma maior profundidade. Apesar de tudo isso, a atuação do James Franco foi sensacional.