Sem abandonar a essência do terror, proveniente dos medos interiores, a história gira em torno do relacionamento de figuras marginalizadas em seu ambiente: o garoto Owen (Kodi Smit-McPhee, de A Estrada) e a vampira Abby (Chloe Moretz, a Hit-Girl de Kick-Ass). Owen é um isolado em sua própria família – a figura materna apenas é vista à distância ou ligeiramente desfocada -, vítima de bullying no colégio e que começa a dar sinais de que poderá se tornar um perigoso serial-killer (vê-lo trajando máscara e faca é assustador). Até o hobby do garoto de espionar os outros vizinhos revela a natureza perturbada de sua mente. Já Abby é uma vampira que tem “12 anos há muito tempo” e é acompanhada de uma figura aparentemente paterna interpretada por Richard Jenkins – que aos poucos revela sua real natureza.
Revelando a natureza religiosa da luta entre o bem e mal, destacada no discurso de Ronald Reagan e nas imagens religiosas presentes no quarto da mãe de Owen, a narrativa questiona a definição de maldade. Somos capazes de julgar Abby que apenas busca saciar sua natureza, mas internamente exigimos uma espécie de punição cruel e retaliação aos jovens que subjugam Owen.
Fotografado com felicidade por Greig Fraser, cujo branco opressivo e gélido da neve e os tons avermelhados revelam o tom da narrativa, a direção de arte de Guy Barnes cria ambientes tomados por uma tristeza e ausência de vida, como é o caso dos apartamentos de Owen e Abby, este quase sem nenhum móvel.
O diretor Matt Reeves (Cloverfield) acerta na refilmagem nos bons aspectos, apesar de menos sutil que o original sueco. Em parte, porque a produção de terror norte-americana exige uma trilha sonora agitada nos momentos mais catárticos, e a trilha de Michael Giacchino investe em fortes batidas, similares ao batimento cardíaco. Apesar da trilha discreta, as melhores cenas recorrem a sons diegéticos como o acidente de carro visto do interior do veículo e na melhor cena do filme que ocorre dentro de uma piscina em que a câmera insiste em se esconder debaixo d’água. Por outro lado, elementos do original são modificados e a sexualidade de Abby, que antes afirmava “não ser uma garota”, parece ser ignorada na versão americana, e a escolha da bem feminina Chloe Moretz diverge da garotinha andrógena do original.
Por falar nela, Chloe Moretz comprova seu talento ao misturar ingenuidade e violência nos ataques realçada pela maquiagem e prejudicada pelo excesso de efeitos especiais. Uma espécie de Claudia, personagem interpretada por Kirsten Dunst em Entrevista com Vampiro, é curioso como Abby, mesmo talvez tão velha quando Claudia, enxergue as coisas como se fosse a primeira vez. Enquanto isso, Kodi Smit-McPhee está regular e explora a fraqueza do rapaz e a excitação ao ver brotar sangue de seu antagonista. Fechando o elenco, Richard Jenkins dá um show como a frágil figura paterna de Abby (inominado aqui), combinando uma voz fraca e um andar vacilante e pouco convicto.
Desnecessário do ponto de vista prático, Deixe-me Entrar pode até ser fruto da preguiça do espectador norte-americano em ler legendas pois, se é estranho refilmar uma obra com menos de 3 anos, ao menos Matt Reeves abraçou completamente o projeto e compreendeu sua alma, criando um filme que, apesar de inferior ao material de origem, é uma homenagem quadro a quadro e um eficiente exemplar de terror.
4 estrelas em 5.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
3 comentários em “Crítica | Deixe-me Entrar”
Ótimo texto parceiro!
p.s.: Estou te seguindo! =)
Abraçoooo
Excelente análise.
Olá! Adorei suas dicas! Vou continuar te seguindo.