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Capitã Marvel

Capitã Marvel

129 minutos

Sempre que tenho a oportunidade, comento que a proposta revolucionária de estabelecer o Universo Cinematográfico Marvel (UCM) já está talhada na história do cinema e será objeto de discussões pelas próximas décadas, da mesma maneira como hoje conversamos acerca de gêneros e movimentos cinematográficos de outrora. Contudo, o UCM tem um calcanhar de Aquiles em como administra e canibaliza os próprios ativos (os super-heróis da empresa) somente com a cabeça no todo, não no individual. Nos melhores momentos, como Pantera Negra, a sensação de estarmos em um universo compartilhado é baixa ou inexistente, permitindo que a narrativa funcione isoladamente e caminhe com os próprios méritos. Nos piores momentos, o resultado são produções como Capitã Marvel, que além de apresentar todos os problemas comuns de narrativas da Marvel Studios, ainda sofre por ser um apêndice de uma história maior, quando tinha mais a oferecer.

É como se Capitã Marvel fosse um mero flashback introduzido logo após a cena do epílogo de Vingadores: Guerra Infinita, em que Fury (Jackson) envia uma mensagem ao pager de uma super-heroína até então desconhecida por todos nós, e tão logo encerre suas mais de 2 horas, devolve o público à expectativa em torno de Vingadores: Ultimato com sua cena pós-créditos (que desconfio que seja mais importante para a esmagadora maioria de fãs do que a trajetória de empoderamento de Carol Danvers).

Como consequência, a trama escrita por Geneva Robertson-Dworet (de Tomb Raider: A Origem), Anna Boden e Ryan Fleck (de Parceiros de Jogo e Half Nelson), que também co-dirigem, não alça voo alto afora estabelecer quem é Carol (Larson) e quais são seus super-poderes, ainda que faça isto com uma estrutura narrativa original que foge ao clichê das histórias de origem convencionais. Assim, já encontramos a insubordinada e obstinada Carol ou Vers, como é conhecida, sob o comando de Yon-Rogg (Law), líder militar da raça Kree na guerra contra os metamorfos Skrulls, chefiados por Thalos (Mendelsohn), que pretende apreender um item particular a fim de completar uma missão que conheceremos no terceiro ato. Após o recente embate ter acabado com a abdução de Carol por Thalos, interessado em suas memórias perdidas e na identidade da Dra. Lawson ou Mar-Vell (Benning), ambos acabam no planeta C-53, a Terra, em meados de 1995, onde são recepcionados por Fury antes de a SHIELD ser a organização que conhecemos.

O tema central dessa trama é a busca por identidade, travada por Carol à medida que o experimento de Thalos e os ares terrestres lançam luz nas lembranças da época em que era uma ás, literal (pilota de aviões) e metaforicamente (carta escondida sob a manga). Ao longo da narrativa, que anda para trás em busca de respostas retratadas em flashbacks pontuais e bem introduzidos, somos conduzidos pela atuação competente da vencedora do Oscar Brie Larson (O Quarto de Jack), cujo semblante cerrado e franzido encontra aos poucos o espaço para sorrisos autênticos e a empolgação de quem acaba de descobrir o verdadeiro alcance de seus poderes. Sua dinâmica com Samuel L. Jackson, mais relaxado e brincalhão do que jamais esteve no papel, é um refresco à narrativa, cujo senso de humor é menos inconveniente do que a média das produções do estúdio (embora haja instantes que esquecem de levar a sério o perigo iminente, como quando um personagem questiona seu cientista a respeito de um conhecimento óbvio que este deveria saber).

Apesar de o senso de humor ser descontraído, todos os pontos fracos do UCM estão presentes: Anna Boden e Ryan Fleck não têm culpa por sua inexperiência em retratar as cenas de ação como os enfados burocráticos que são, enquanto a trilha sonora de Pinar Toprak não é excitante ou memorável como Pantera Negra. O próprio design de produção noventista de Alex McDowell não consegue empolgar com sua aterrissagem dentro de uma locadora Blockbuster (com direito a um tiro na cabeça de Arnold Schwarznegger mais curioso do que simbólico) ou a pesquisa em um buscador pré-Google dentro de um Cyber Café lotado. A propósito, opto por economizar palavras para comentar sobre o vilão, mais do mesmo.

Pelo menos, o histórico com estudos de personagem e dramas intimistas capacita Anna e Ryan a tratar com propriedade e segurança dos contornos decisivos da trama. O primeiro deles é o empoderamento da mulher, e Carol, desde criança, habituou-se a escutar que não era forte o bastante ou emotiva demais para voar aonde seus sonhos a levavam. Adjetivada de fraca, falha e perdida, Carol caí inúmeras vezes e sempre se levanta mais forte e determinada a enfrentar o machismo institucional, com direito a um momento poderosos, impactante e libertador (o melhor do filme) do mesmo naipe daquele quando a Mulher-Maravilha levantou da trincheira, deixando homens acovardados para trás a fim de lutar contra as forças fascistas a sua frente. Não apenas Carol, sua melhor amiga Maria (Lynch) também desvia de vocativos pejorativos e reducionistas para se tornar um exemplo à filha, revelando que a melhor versão de uma mulher é sempre aquela que ela escolher ser quando se liberta das amarras impostas pelo pensamento retrógrado da sociedade, a quem não deve provar nada.

A narrativa ainda trata, embora com menos profundidade, de guerras injustas patrocinadas pela opinião pública e dependentes da lavagem cerebral por esta realizada ao denominar com a alcunha de terroristas todos seus adversários. Neste sentido, apesar de entender como correta a opção da narrativa em privilegiar o feminismo, não deixo de me frustrar (um pouquinho) em ver como as questões geopolíticas envolvendo Krees, Skrulls e Acusadores são meros panos de fundo, quando poderiam ser bem mais.

Contudo, é por ter tamanho potencial inspirador e relevância em uma época que finalmente premia a representatividade e progresso contra o retrocesso, que Capitã Marvel decepciona mais do que empolga, ao ser somente o degrau final antes do encerramento do UCM e não a narrativa que aspirava a ser.

É um apêndice, infelizmente.

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