Com Pânico (1996), o diretor Wes Craven e o roteirista Kevin Williamson meio que reinventaram de forma original e metalinguística o subgênero do terror slasher movie, em que um psicopata quase imortal, tortura e mata com toques de crueldade o maior número de adolescentes na fase áurea de uma vida regada a sexo e álcool. Usei o meio antes porque embora subvertesse o cânone do gênero – o Ghostface era mais ameaçador e imprevisível porque não caminhava lentamente ou agia no piloto automático como Jason ou Michael Myers -, as continuações viriam se tornar aquilo que se criticava, em que o único prazer restante era descobrir a identidade do vilão (quase, portanto, um Scooby-Doo de terror). Amargando um hiato de praticamente 10 anos, a franquia retorna com este Pânico 4, pegando carona nas refilmagens abundantes dos clássicos de décadas passadas curiosamente reveladas pela personagem de Hayden Panettiere em um momento de desespero.
Nesta sequência, Kevin Williamson explora também outro subgênero, o torture-porn de Jogos Mortais e O Albergue, reencontrando o trio original composto por Sidney, Gale e Dewey às voltas com uma nova série de assassinatos na já mítica cidade de Woodsboro. Levando as regras do gênero a um novo nível, envolvendo filmagens das mortes, violência gráfica e inversão de valores, Pânico 4 tenta reinventar de novo o gênero, mas o resultado produz efeitos mais nostálgicos do que concretos.
Abrindo com uma sequência divertida e metalinguística no filme dentro do filme Stab e múltiplas camadas, o humor é a melhor qualidade desta continuação. Quando não se leva a sério, a narrativa cumpre seu papel de filme-pipoca por que ri (muito) de si mesmo. Encaixando uma tonelada de referências – de Premonição, Ghostbusters e Todo Mundo quase Morto a atrizes célebres como Jamie Lee Curtis e Linda Blair -, Wes Craven é pretensioso ao homenagear suas origens bem mais do que somente mero saudosismo, e praticamente todas as mortes reencenam à outra do original: a de Rose McGowan presa na portinhola da garagem, o jovem amarrado no terraço da casa e até o vilão com tendência a auto-mutilação.
Portanto, não é de se estranhar que aqui o Ghostface tenha uma criatividade limitada, destinado a sugar ingenuamente de seus antecessores, um problema dividido com a narrativa que não consegue, nem brevemente, ter um grande momento. Há sustos fáceis precedidos da corriqueira trilha sonora, rostos inocentes que surgem detrás da porta da geladeira e as sombras do vilão cruzando o pano de fundo quando alguém se abaixa para pegar a chave, mas nada deveras marcante. Nem o uso da velocidade das informações nas redes sociais e a crítica à política de celebridades funciona bem porque o roteiro de Williamson pouco se dá o trabalho de explorá-los.
Com um elenco combinando os rostos conhecidos de Neve Campbell, Courtney Cox e David Arquette com os da nova guarda de Emma Roberts, Hayden Panettiere ou Rory Culkin (um novo Jaime Kennedy, o nerd entendido de terror da trilogia original), parece surgir ocasionalmente a ideia, abortada, de passagem de bastão substituída por um desfecho absurdo demais para os próprios padrões.
Mas, se rever Jason ou Freddy Krueger tem seu charme, ouvir a voz de Ghostface no telefone ou enxergá-lo empunhando a sua reluzente faca surte um efeito similar, provocando uma familiaridade e segurança no espectador que lhe permite desfrutar de alguns bons momentos e rir. Porém desde quando rir era exatamente o que você buscava diante de Freddy Krueger ou Michael Myers?
Avaliação: 3 estrelas em 5.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
4 comentários em “Crítica | Pânico 4”
Adorei Pânico 4. Quem assiste, gosta. Os outros, que apenas olham cartazes, pensam logo que, por ser "4", é o "mesmo do mesmo", que não tem nada de inovador e etc… O cinema terror tava precisando de um filme inteligente, que parodia de si e dos concorrentes, e que, acima de tudo, traga um final surpreendente. Pra mim, só faltou zombar dos já cansados filmes de terror com câmera amadora (em 1ª pessoa), todos inspirados no saudoso Bruxa de Blair, como: REC, Atividade Paranormal, Último Exorcismo e etc… NINGUÉM aguenta mais!!
(CONT.) À propósito, what's your favorite scary movie? 🙂
Abraço,
Leandro
O Iluminado, O Exorcista e o Halloween original.
Honestamente, eu simplesmente adorei esse filme. Acho que o fato de ele usar metalinguagem e efeito cômicos são essenciais para torná-lo muito interessante. Considerando as tantas sequências e remakes lançados anualmente, eu acredito que Scream 4 se sai bem e mostra que Craven e Williams (apesar desse ter falhado muito com alguns roteiros – I Know What You Did Last Summer, por exemplo) ainda conseguem promover entretenimento.
Insisto: gosto mesmo do filme e adoro principalmente a confluência de Pânico e Pânico 4, já que, no novo milênio – era dos reamkes -, como estamos lidando com a refeitura de filmes do gênero terror, trabalhar a questão do duplo num único filme é interessantíssimo!