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Licorice Pizza

Licorice Pizza

133 minutos

O melhor diretor de sua geração propõe uma narrativa sobre os encontros que movimentam a vida em um cenário que vai muito além da nostalgia.

Por Thiago Beranger.

Logo nos primeiros minutos de “Licorice Pizza” há um acontecimento bem representativo, que serve como chave para toda a narrativa. Alana (Alana Haim) está caminhando da direita para esquerda do quadro, oferecendo pente e espelho para que estudantes se arrumem para a fotografia da escola. No meio do caminho ela encontra Gary (Cooper Hoffman) caminhando na direção contrária e, de repente, muda de direção quando os dois iniciam uma conversa e passam a caminhar juntos. Esse é “Licorice Pizza”, o novo trabalho do gênio, Paul Thomas Anderson. Um filme sobre encontros mas sobretudo um filme sobre movimento. Não é por acaso que os protagonistas estão sempre correndo. Gary e Alana são personagens que causam um ao outro esse efeito. Eles se tiram do conforto, se incomodam e se movimentam. Parte disso por conta das diferenças que encontram ao se relacionarem, que vão desde a idade, passam pela formação familiar e acabam nos comportamentos.

A força do primeiro encontro entre Alana (Alana Haim) e Gary (Cooper Hoffman)

Gary Valentine é ainda um adolescente, com 15 ou 16 anos, filho mais velho de uma mãe solteira que se mostra desde cedo um empreendedor nato, mas um tanto quanto errático. O rapaz é um grande vendedor, cheio de lábia, de carisma e de uma necessidade de autoafirmação que evidencia uma insegurança escondida por trás da personalidade bonachona. Gary sente que precisa ocupar o espaço de “homem da casa”, provendo o sustento financeiro de sua mãe e irmão caçula. Após ficar velho demais para seguir com a carreira de ator mirim, resolve se tornar um empresário, identificando e abraçando qualquer oportunidade que aparece.

Alana, por sua vez, é uma moça de vinte e poucos anos que ainda não conseguiu se encontrar. Ela vive na casa dos pais, um casal judeu de classe média, ao lado de suas duas irmãs mais velhas (todos interpretados pela família Haim, pais e filhas no mundo real) e ganha algum dinheiro através de empregos ruins. Apesar de ser extremamente inteligente, Alana possui dificuldade em tomar a iniciativa em relação às suas ambições. Pra dar vazão a isso, age em busca de alguém em que possa pegar carona, moldando muitas vezes suas relações de acordo com o interesse.

O encontro dos dois, descrito no primeiro parágrafo, é o que dá movimento à trama. Gary, mesmo mais jovem, serve como esse empurrão para que Alana saia de sua zona de conforto. Ela, por sua vez, é quem ajuda a direcionar o afã do seu amigo/namorado. Isso fica explícito na sequência do caminhão, uma das mais divertidas do filme, mas ao mesmo tempo simbólica por ilustrar como funciona a relação entre os protagonistas. Gary é quem dá o empurrão inicial para que um caminhão sem gasolina desça a ladeira “na banguela”, mas é Alana quem conduz o veículo até deixá-los em segurança. É o menino quem decide empreender vendendo colchões, mas é a moça quem sugere a mudança de nome e a organização que levam o negócio ao sucesso em outro momento da história. Se todo movimento pressupõe uma força e uma direção para acontecer, Gary é a primeira variável e Alana a segunda.

Frame da sequência do caminhão, uma das mais marcantes e divertidas do filme. Com a participação de Bradley Cooper.

De certa forma os dois também se complementam em um sentido nada romântico. Ambos entram nesse “relacionamento” com interesses bem claros. A necessidade de ascender economicamente é o que faz Alana enxergar Gary inicialmente como uma oportunidade, o que fica provado quando ela o troca por outro, assim que percebe a derrocada da carreira de ator mirim do garoto. Ao mesmo tempo, são a necessidade de autoafirmação, de satisfação do ego e também os hormônios típicos da idade (eufemismo para TESÃO) que levam Gary a correr atrás de Alana. Isso também fica claro em diversos momentos em que o garoto dá em cima de outras várias mulheres, mesmo a plena vista.

O romance aparentemente inocente, esconde segundas intenções que só aparecem nos momentos em que a coisa desanda. Típico do cinema ilusionista de PTA, que via de regra nos chama a atenção com elementos superficiais enquanto desenvolve a verdadeira trama no segundo plano. Através das aventuras vividas na narrativa episódica proposta pelo diretor é que esses interesses, que diga-se de passagem nunca deixam de existir, vão ter a companhia de um sentimento mais verdadeiro e romântico.

Mas para além da relação entre os protagonistas, PTA também propõe uma ambientação bem específica no espaço e no tempo. Essa Los Angeles da década de 70 é diferente daquela retratada por Quentin Tarantino em “Era Uma Vez em… Hollywood” (2019), não apenas pelos poucos anos que separam o tempo diegético das duas obras, mas também por conta da diferença de recorte. Ainda que haja certa semelhança, pelo fato de ambos misturarem personagens verdadeiros com ficcionais e imaginarem acontecimentos dentro de contextos reais (como é a crise da gasolina em “Licorice” e a formação da seita liderada por Charles Manson em “Era Uma Vez”), PTA escolhe fazer um recorte periférico e situar sua narrativa longe dos principais holofotes.

O Lado B da Los Angeles setentista.

Bruce Lee, Sharon Tate e companhia dão lugar a nomes bem menos conhecidos fazendo participações especiais. Nomes que até possuem relação com a indústria do cinema, mas que nem de longe obtiveram o mesmo sucesso. Bem legal que ao invés do Leonardo, aqui apareça seu pai, bem menos conhecido, George DiCaprio. Ou que PTA resolva dedicar seu filme ao Robert Downey, mas não o Jr., o pai, cineasta que teve grande influência sobre seu trabalho e que já havia participado de “Boogie Nights” (1997). E por fim, que na ausência do grande Phillip Seymour Hoffman (grande colaborador do diretor), o protagonismo seja de seu filho, o estreante Cooper.

“Licorice Pizza” apresenta portanto uma Los Angeles diferente. De sonhos que não possuem linha de chegada. De personagens que estão sempre em busca de alcançar algo, que talvez nem saibam o que é, e por essa busca permanecem sempre em movimento.

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