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Larry Crowne – O Amor está de Volta

Ficha Técnica: Larry Crowne – O Amor está de Volta (Larry Crowne), 2011, Estados Unidos. Direção: Tom Hanks. Roteiro: Tom Hanks e Nia Vardalos. Elenco: Tom Hanks, Julia Roberts, Cedric the Entertainer, George Takei, Gugu Mbatha-Raw. Duração: 98 minutos.
A mera existência de Larry Crowne é um fato que isoladamente provoca curiosidade. Dirigido, co-escrito e protagonizado por Tom Hanks, o que deveria assegurar o mínimo controle de qualidade, este é um daqueles filmes que carrega orgulhosamente as cafonices do cinema e despe-se da nuance e sutileza hordiernamente presentes nas produções da sétima arte. Assim, no melhor e no pior momento, este é apenas um filme: povoado por personagens preto e branco, caretas e caricatos, por situações implausíveis que encontram pouco ou nenhum suporte no fatídico e por uma trajetório bonitinha e bobinha que acaba soando como afronta a todos os norte-americanos demitidos no auge da crise financeira dos anos anteriores.

Carregando o fardo de contar com a presença dos maiores astros da década de 90, e as personalidades mais exemplares da indústria cinematográfica, Larry Crowne nasce vítima do bom mocismo de Tom Hanks e da vivacidade contaginante de Julia Roberts. Parece incoerente, e certamente seria na maioria dos casos, mas em Larry Crowne, aleija as mínimas chances existentes de encontrar a relevância temática na narrativa constrangedoramente otimista. Neste sentido, todos são bons demais, caridosos, calorosos, agindo como personagens e não como seres humanos, existindo somente enquanto o protagonista está fragilizado e buscando uma luz no final do túnel não apenas do protagonista que dá nome ao título – cujo aposto nacional faz jus à cafonice da narrativa -, mas de todos os norte-americanos em situação equivalente.
Desde a primeira tomada, Tom Hanks não esconde o bom mocismo e o envolvimento emocional de Larry Crowne com a rede de supermercados U-Mart: ele é o primeiro a chegar no trabalho, colhe o lixo deixado no estacionamento, empurra todos os carrinhos (o que cria um paralelo inteligente com O Terminal) e ajuda os demais colegas nos afazeres diários. Seu zelo e o vínculo emocional com a instituição é tamanho que no seu guarda-roupa existem muitos cabides vazios e a farda ocupa o lugar de destaque no centro. Portanto, é com olhos marejados de surpresa que ele lida com a demissão por não possuir ensino superior, quando esperava ser agraciado com o título de funcionário do mês.
De uma obviedade assustadora, Larry Crowne se matricula na universidade, onde é recebido por um reitor participativo e amigo interpretado por Holmes Osborne, que não perde tempo em oferecer conselhos sobre as cadeiras que Larry deverá cursar no período. Ao mesmo tempo, ele desenvolve uma amizade com Talia (Gugu Mbatha-Raw), e antes que você diga xis, ela está na casa dele (sem segundas intenções), praticando o feng shui, retocando o seu corte de cabelo e o guarda-roupa, integrando-no aos seus amigos motoqueiros em um estranho ritual de estalar de dedos (?) e agindo como cupido no restante do tempo. Finalmente, ele desenvolve uma espécie de relacionamento com a professora Mercedes Tainot (Julia Roberts); uma espécie porque a aproximação dos dois no universo diegético é um mistério inexplicável sequer existindo momento que justifique a atração mútua. A não ser que você admita que Tom e Julia por serem justamente quem são, se apaixonaram e pronto, o que é uma decisão sua, nem um pouco cinematográfica.
Tom Hanks também perde muito tempo em eventos cinematográficos demais e relevantes de menos: a negociação de 50 centavos com o vizinho Lamar (Cedric the Entertainer) é uma estúpida perda de tempo, porque nenhum ser humano faria isto. Igualmente desprezível é o aluno que atende histrionicamente o celular em plena sala de aula, ou Talia que não se incomoda em arremessar no lixo a capa do celular de Larry ou de quebrar os seus óculos – dando-lhe prontamente um novo par com visual mais moderno. Finalmente, não tem como não ter vergonha do senso de humor de Tom Hanks ao achar engraçado a inclusão de uma cena em que Mercedes diz em voz alta a senha do alarme da sua casa.
Misturando o esquematismo narrativo com uma grosseira falta de sutileza, Tom Hanks está determinado em ater-se à primeira impressão no desenvolvimento dos personagens: do bom mocismo de Larry, citado em parágrafo anterior, à professora Mercedes ansiosa em influenciar a vida de alguém com sua aula de oratória, ou o seu marido imediatamente apresentado olhando pornografia no computador (nunca um bom sinal para quem quer ser tratado tridimensionalmente). Além disso, eu duvido que alguém tenha encontrado a importância da aula de Oratória 127 – A Arte das Observações Informais no desenvolvimento do aprendizado de Larry para a vida, ou algum eixo condutor que permita estabelecer qual a metodologia empregada pela professora além de ficar sentada no fundo da sala observando os alunos se envergonharem em discursos infantis que meus sobrinhos fariam melhores (eles têm 6 e 4 anos, respectivamente). Nesse momento, além de não ser a boa professora que se julga ser, Mercedes sequer é determinante para a mudança de curso de Larry, algo que aconteceria inevitavelmente. Pelo contrário, ela apenas é o trofeú romântico, o último beijo, para arrematar a narrativa com chave de ouro.
Exatamente aí Larry Crowne perde o carisma que acreditava que possuía, ao buscar em uma mensagem romântica, a saída para a frustração e o desespero de norte-americanos que perderam tudo o que tinham na crise econômica. A artificialidade incomoda, especialmente quando após poucas aulas de economia, Larry considera a insolvência do seu patrimônio e devolve a hipoteca para o banco, aparentemente rindo daqueles que perderam a moradia e o lar no auge da crise imobiliária.
Ligeiramente amenizado pelas boas atuações de Tom Hanks e Julia Roberts, que não se incomodam de rir de si mesmos, one-liners engraçadinhos como a de Cedric the Entertainer ao ver a gangue de motoqueiros aproximando-se do bairro (“É uma invasão”) e um ou outro momento mais inspirado como os ciúmes de Dell Gordo ou as apresentações no curso de oratória, Larry Crowne ainda aposta na trilha sonora brega de James Newton Howard e escancara de vez o exacerbado bom mocismo do protagonista na sua própria recriação da Santa Ceia – com direito a pizza!

Se viesse das mãos de outros realizadores, Larry Crowne seria somente uma decepção; nas de Tom Hanks soa como esforço chauvinista, mascarado por um otimismo falso e um romance insosso, que sequer deveria ter existido. Apesar deste contratempo, todos continuarão a amar e admirar Tom Hanks, o bom moço de Hollywood.

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1 comentário em “Larry Crowne – O Amor está de Volta”

  1. É, meu amigo… E olhe que eu achei que gostaria mais do filme, pelas estrelas, duas das quais gosto muito. Mas a minha decepção está em par com a sua: o carisma do filme se dilui, e não faz nada para retornar! Uma pena. O filme poderia ser uma comédia romântica interessante – algo mis ou menos parecido com as coisas que a Nancy Meyers faz, não "Simplesmente Complicado", que é fraco, mas algo parecido com "O Amor não tira férias".

    Enfim…

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