Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

35ª Mostra de Cinema em São Paulo – Dia 11

49) Blowfish (Hetun, Taiwan, 2011). Direção: Chi Y. Lee. Roteiro: Chi Y. Lee. Elenco: Vicci Pan, Kang Jen Wu, Yi Ching Lu, Angel Yao, Hong Xiu Wu. Duração: 88 minutos.

Xiao-Zhun (Pan) é uma ascensorista de um shopping center, treinada para ser exageradamente educada e discreta, o que se observa quando ela se desculpa por demorar alguns segundos a mais para liberar a porta do elevador para alguns fregueses. Depois de trocar de turno com uma colega, ela chega em casa para descobrir que o namorado está a traindo com outra. Tomando o baiacu do aquário, Xiao-Zhun resolve vender o peixe para um personagem apenas conhecido como técnico (Wu), um jovem calejado por ter sido abandonado por um amor, e desenvolve um intenso e estranho relacionamento com ele.

Obrigando os seus personagens a contemplarem uns aos outros por muito tempo antes de dizerem alguma coisa, o diretor e roteirista Chi Y. Lee busca a beleza existente no silêncio dos personagens, bastando observar que é uma cega, Aurora (Lu), quem parece não ter pudor a se dirigir aos seus interlocutores. Mas, incapaz de extrair a relevância almejada no silêncio narrativo, Blowfish rapidamente transforma-se em uma tortura cinematográfica, e até alguém perguntar o nome de outrem, esperamos mais de 1 minuto de contato visual (sem brincadeira).

Além disso, diversos aspectos narrativos subsistem subjetivos demais, como a tensão sexual que toma o treinador e Xiao-Zhun nos encontros dos dois ou quando ela começa a vestir as roupas de Flora (Yao), a ex-esposa do treinador (observe a aliança no seu dedo), na ansiedade de aplacar o vácuo romântico dele. Em seguida, o conflito nascido na casa de banho também é incapaz de apontar os sentimentos que levam Xiao-Zhun a entoar canções de ninar, pois anteriormente, a jovem tinha enfatizado a recusa de continuar emulando Flora ao guardar as roupas penduradas no quarto do treinador.

E se a montagem de Chi Yuarn Lee não encontra qualquer propósito para os fades mais frequentes do que o necessário – será que ele desejava reforçar o aspecto inconstante da personalidade do treinador?, a fotografia de John Han é muito feliz em evocar a cumplicidade com a natureza, reforçando o tom contemplativo e paciente da narrativa sem que isto soe completamente vazio (como é o romance em si).

Apesar de não ter gostado desse filhote de Taiwan, admiro Vicci Pan, pela irrestrita e cega obediência em frequentes e intensas cenas de sexo, e por construir uma personagem cuja subserviência nasce no olhar inferiorizado certamente oriundo do tradicionalismo cultural e de sua criação. Logo, é bastante óbvio que mesmo que consiga conquistar o treinador, ela jamais acreditará que poderá ser feliz sem que o sirva incondicionalmente.

O que não impede que Blowfish seja descartável como um jantar preparado por Xiao-Zhun, mas ao menos apresenta um talento a observar em produções vindouras de Taiwan.


48) Algumas Nuvens (Qualche Nuvola, Itália, 2011). Direção: Saverio Di Biaggio. Roteiro: Saverio Di Biaggio. Elenco: Michele Alhaique, Greta Scarano, Aylin Prandi, Michele Riondino, Elio Germano. Duração: 99 minutos.

Algumas Nuvens é uma comédia romântica italiana com os vícios e clichês das congêneres produzidas em Hollywood, e cujos melhores momentos provêm de atuações razoavelmente satisfatórias e de decisões narrativas sutilmente diversas do que o que estamos acostumados. Mas, não é o suficiente para prender a atenção e conquistar o coração do espectador, na história de Diego (Alhaique), um jovem trabalhador da construção civil, com casamento marcado com a namorada de infância Cinzia (Scarana), e que se apaixona pela rica Viola (Prandi).

O roteiro de Saverio Di Biaggio começa com o pé esquerdo, quando Cinzia praticamente pede a mão de Diego em casamento no leito de morte da avó, apesar da relutância e indecisão do rapaz. Apresentando Cinzia como uma mulher consumeirista que não hesita de exigir do marido gastos maiores do que ele pode suportar, o que o obriga a assumir um outro emprego onde ele conhecerá Viola, a personalidade da moça muda seguidamente no decorrer da narrativa. Ela é amável e carinhosa com o desengonçado noivo na aula de dança, exigente na escolha do local do casamento, discreta ao suspeitar do cheiro nas camisas de Diego e complacente e piedosa noutro momento.

Por sua vez, Viola não é exigente e a sua imprevisibilidade, paixão e status social conquistam Diego. Descrita como uma “pessoa instável” por Venditore (Germano), seu contratante, aquele conselho não se materializa, assim como diversas outras subtramas da narrativa, como o desejo do sogro Umberto (Giorgio Colangeli) e seu amigo de montarem um restaurante ou o campeonato de futebol disputado por um estranho padre e o melhor amigo de Diego, Don Franco (Riondino).

Incapaz de explorar adequadamente os momentos mais engraçados, como quando “as mulheres reuném-se em um conclave”, e investindo nos conselhos do padre que sugere um casamento civil, sem complicação, Algumas Nuvens tem uma montagem irregular de Marco Spoletini que, dentre outras coisas, confere um ritmo frouxo à narrativa, cujo clímax nasce de um mal vinda coincidência, obviamente registrada pela melhor amiga de Cinzia (e por quem mais seria?).

Embora tenha um desfecho agradável e maduro, adequado ao tom adulto do cinema italiano, o romance de Diego e Cinzia ou a paixão desenfreada dele e Viola não convencem, e nunca vi esse gênero resistir a ausência de química entre os protagonistas.

47) Isto Não é um Filme (In Film Nist, Irã, 2010). Direção: Mojtaba Mirtahmasb, Jafar Panahi. Roteiro: Jafar Panahi. Duração: 75 minutos.

Por apoio ao candidato oposicionista nas eleições iranianas em 2009, o cineasta Jafar Panahi começou a sofrer perseguições inominadas da ditadura presidencialista de Mahmoud Ahmadinejad e denunciado por causa da obcenidade da sua filmografia a 20 anos de proibição de escrever roteiros e dirigir produções, 6 anos de prisão e impedimento de sair do País. Aguardando o veredito do Tribunal de Apelação há meses, o cineasta elaborou Isto Não é um Filme, um protesto pacífico na forma de um documentário que acompanha um dia na vida da prisão domiciliar do cineasta, filmado com auxílio do amigo e colega de profissão Mojtaba Mirtahmasb.

Impossível não se compadecer com a decisão de Panahi (vencedor de prêmios no festival de Cannes e Veneza), pois qualquer punição que “não é justiça, é política” e veste os trajes negros da censura deve ser severamente combatida no mundo hodierno. Assim, certos aspectos da justiça iraniana são rapidamente discutidos em uma conversa telefônica, na qual a advogada de Panahi afirma que os juízes não se interessam em argumentos legais, e que a pressão interna e externa tem um peso muito maior no julgamento da apelação do cineasta. Comunicando o interesse das autoridades iranianas em apreender equipamentos de filmagem, justificado na investigação realizada no carro do filho em uma blitz, Panahi também lança luz no regime opressivo do seu país e na caça às bruxas realizadas àqueles que usam câmeras como armas contra a intolerância.

Pena que Isto Não é um Filme preocupe-se mais com o (desinteressante) cotidiano de Jafar em sua prisão domiciliar, onde a apatia e monotonia do seu dia-a-dia surge como uma cutucada de Panahi digerindo a sua punição ao espectador. Mas, entre o café da manhã, a preparação de um chá e os eventos que precedem o ano novo muçulmano, Panahi não é a mais interessante das companhias, surgindo artificial e roteirizado, como se estivesse seguindo fielmente os diálogos de um roteiro ou as marcações e orientações de um cineasta. Neste sentido, a conversa com o seu camaleão, por mais despretensiosa que seja, é exagerada e pouco convincente.

Durante outra parte do tempo, o cineasta revisita o seu último filme, banido pela censura iraniana, sobre uma jovem que tem poucas horas para se inscrever na faculdade de artes, mas é proibida pelo rigoroso regime patriarcalista da sua família. Estabelecendo a cenografia do apartamento da protagonista (não me recordo o nome dela) no carpete de sua casa e, concomitantemente, realizando a leitura do roteiro, Panahi questiona o porquê “de mostrar uma história, se ela pode ser contada”. Em seguida, ele apresenta algumas curiosidades de seus filmes, enfatizando a imprevisibilidade no amadorismo dos seus atores em trabalhos minimalistas e neorealistas. Finalmente, ele ainda tem algum tempo de brincar com o seu colega documentarista, discutindo aspectos técnicos, como a superexposição da imagem na claridade diurna.

Mas, seguindo à risca as palavras de Mojtaba, “o mais importante é documentar, não importa como”, temos o retrato de um homem submetido a uma das piores prisões, a privação de fazer aquilo que mais ama, e observe como ele se incomoda mais com a proibição de exercer seus trabalhos no cinema do que com a prisão. Entretanto, é preocupante que o cineasta não entenda a dimensão da oportunidade que tinha e perca quase 15 minutos em uma desinteressante conversa no elevador ou cuidando de um cachorro da vizinha.

Questionável do ponto de vista da autenticidade, até que ponto podemos acreditar que o cineasta já não sabia o desfecho de sua história antes de filmar este documentário? O que impede o documentário de estar montado sobre o ano novo, mas roteirizado e atuado posteriormente? Apesar de tudo isso, o maior defeito é aquele mencionado, não é o cotidiano de Panahi o mais interessante, mas o uso deste para alertar a comunidade internacional do desrespeito dos direitos humanos no Irã.

Pena que Panahi não conseguiu despejar o olhar crítico de seus filmes anteriores em contar a sua própria história. Isto Não é um Filme também não é um bom filme.

46) Headhunters (Hodejegerne, Noruega, 2011). Direção: Morten Tyldum. Roteiro: Lars Gudmestad, Ulf Ryberg, baseado no livro de Jo Nesbø. Askel Hennie, Nikolaj Coster-Waldau, Julie R. Ølgaard, Synnøve Macody Lund. Duração: 98 minutos.

Se você pensa que apenas Hollywood produz thrillers de ação anencéfalos, precisa assistir ao noruguês Headhunters, o clássico exemplo de um filme incapaz de sustentar as pesadas reviravoltas do seu roteiro, mas que as abraça ingenuamente confiante que a sua montagem ágil e ritmo invejável serão o bastante para compensar qualquer traço de falta de lógica.

Adaptado por Lars Gudmestad e Ulf Ryberg do livro de Jo Nesbø, o roteiro apresenta dois headhunters: Roger (Hennie), um recrutador de executivos para grandes empresas e nas horas vagas, ladrão de obras de arte, e o seu antagonista, Clas Greve (Waldau), ex-CEO da maior empresa de geoposicionamento do mundo e ex-rastreador de pessoas para o exército. Desde o encontro na galeria de arte de Diana (Lund), esposa de Roger, é impossível não perceber as faíscas na troca de olhares e no jogo de reputação dos dois, e Clas não demora para se impor especificamente no porte físico avantajado, em contraste com o jeito franzino de Roger. Determinado a roubar um importante quadro durante a viagem de Clas, Roger acaba perseguido por ele e pela polícia que o considera culpado de assassinato.

Depois de estabelecer as peças do jogo, o diretor Morten Tyldum acelera o ritmo, pontuado por uma trilha sonora agitada, perseguições de carro e emoções, algumas banais, como aquela envolvendo a desativação de um alarme e a palavra Natascha (“com sch ou sh?”) ou a perseguição de um trator. Noutro momento, Tyldum saí-se melhor na colisão de um caminhão, apesar de precedida do extremo mau-gosto do mergulho em uma latrina.

Apresentando um herói azarado, obstinado e praticamente indestrutível (ele é mordido, esfaqueado, sofre acidentes de carro, dentre outras coisas), e um vilão onipresente, onisciente e ameaçador, mas que quando suas intenções são reveladas, não deixa de ser patético e engraçado, Headhunters é uma diversão escapista e que, como não poderia deixar de ser, tem os direitos comprados para uma refilmagem norte-americana.

Já consigo imaginar Jason Statham assinando o contrato como herói e vilão simultaneamente?

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2 comentários em “35ª Mostra de Cinema em São Paulo – Dia 11”

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