Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

35ª Mostra de Cinema em São Paulo – Impressões Finais

Manhã de 21 de Outubro. Pouco mais de 6 horas da manhã, horário brasileiro de verão, o vôo São Luís – São Paulo aterrisou no aeroporto de Guarulhos. Fazia um friozinho matinal gostoso, prenúncio de uma Primavera inconstante paulistana. Eram os primeiros passos de uma, infelizmente breve, aventura cinéfila na 35ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, a primeira de muitas outras certamente. Existia uma ansiedade, e apesar da minha Permanente Integral estar separada, calouro é calouro, e o nervosismo andou de mão dada comigo desde o primeiro táxi ao Conjunto Nacional, na Avenida Paulista até o momento em que estive com os quatro ingressos do primeiro dia em mãos.
Desde esse momento, foi paixão à primeira vista com o evento, um combustível que me motivou diariamente para cada nova sessão e afastou o fantasma da exaustão e do cansaço (as olheiras não me deixam mentir). Assim, sentado na frente do computador, planejava, com um sorriso de menino rasgando o papel dos presentes de natal, as próximas sessões, atentando para escolhar as salas de cinema vizinhas ou situadas na Avenida Paulista e calculando para não deixar passar nenhum dos títulos que mais me chamaram a atenção nos mais de 250 filmes da Mostra. Inevitavelmente, perdi alguns, ou melhor, deixei para vê-los em futuras ocasiões; e assisti a outros que inicialmente não estavam na minha programação e que, de uma maneira despretensiosa, me surpreenderam.

Entretanto, montar a programação era apenas um dos pequenos prazeres de um cinéfilo na Mostra. Afora o prazer maior (e óbvio) de assistir a novos filmes, alguns dos quais jamais chegarão quiça às prateleiras da Backbeat, nossa mais diversificade locadora, ninguém mais duvide do meu prazer de escrever sobre cinema. E, só raras vezes que o meu desgaste mental foi obstáculo para deixar de abrir o meu caderno de anotações, presente inestimável e essencial para qualquer aspirante que desejar cobrir a Mostra, e começar a redigir críticas de todos os filmes que acompanhei (algumas, confesso, tão mal escritas, e ponho a culpa na pressa e no cansaço, que precisei revisá-las oportunamente em dias menos movimentados).
Na medida em que as palavras ganhavam corpo no texto, e espero que tenha sido fluido e prazeroso de ler os textos elaborados, os dedos automaticamente traduziam as sensações transmitidas por cada exemplar: o agoniante sufoco de uma advogada grávida no Irã que desejava fugir do regime opressor desse país em Adeus, a importância da descoberta de negativos tirados pelos três precursores do fotojornalismo na guerra da Espanha em A Maleta Mexicana, o fascínio e assombro das gravuras datadas de mais de 30 mil anos na Caverna dos Sonhos Esquecidos, a sensualidade e sexualidade de um relacionamento livre e maduro no francês Para Poucos, a poesia visual melancólica e apaixonante de Frango com Ameixas, a inteligência no rigor político do novo trabalho de George Clooney Tudo pelo Poder e, finalmente, a mágica infantil e despretensiosa que ressoa no coração de O Palhaço.
Mas a Mostra também é um evento desgastante fisicamente, e me recordo particularmente do dia que corri a ladeira da Rua Frei Caneca para chegar a tempo na exibição do candidato turco ao Oscar, Era uma Vez na Anatólia, no cinema da Livraria Cultura, na Avenida Paulista. Talvez isto explique os quilos a menos, ou talvez tenha sido culpa da minha dieta rica em… milho.
Apesar do romantismo exacerbado de um cara apaixonado, irremediavelmente a Mostra apresentou equívocos, falhas, desorganização. A morte de seu idealizador e criador Leon Cakoff, aos 63 anos, às vésperas da abertura da Mostra abalou o evento, que pela primeira vez foi tomado pelo ineditismo, ou seja, os principais títulos internacionais exibidos no Festival Internacional do Rio não chegaram ao público paulistano.
Também não era incomum a (des)surpresa na mudança de datas de filmes importantes, alguns no dia da sua exibição aleijando a programação de qualquer alma humana, outros provenientes de cancelamentos irremediáveis. Tecnicamente algumas projeções deixavam a desejar nas péssimas cópias digitais ou na incapacidade do corpo técnico de lidar com o imprevisto: não me recordo o título que a chave de segurança do filme estava errada, e demoraram cerca de 30 minutos para descobrir qual era a certa com a distribuidora. Outra cena comum, igualmente engraçada e preocupante, era o uso de algum player (Windows Media Player, o mais frequente) e a falha em algum Codec de aúdio ou vídeo na exibição. Até a correção tínhamos isto abaixo:
Ok, problemas eram abundantes. Insuportáveis. Destruíam o humor de qualquer um. O amor era maior, e da mesma maneira que alguém supera as acnes no rosto da amada ou a careca do marido, eu resolvi superá-los. Pode ser porque foi a minha primeira vez na Mostra e no outro ano o pavio estaria mais curto do que este. Independentemente, depois de 52 filmes em 12 dias (4 dos quais em cabines de imprensa à convite da organização da Mostra, um orgulho que obviamente compartilho com todos), mais de 50.000 palavras escritas, um caderno todo de anotações consumido por garranchos incompreensiveis (para os outros, lógico) redigidos no escuro, o prazer de dividir meia dúzia de sessões um dos melhores críticos brasileiros Pablo Villaça, a adorável e significativa vinheta de Maurício de Souza e as tirinhas da turma da Mônica antes das sessões e o sentimento de fazer durante duas semanas de férias aquilo que se mais ama, eu me despeço de todos que acompanharam a cobertura da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo da mesma maneira que ela se despediu de mim.
Epílogo

As minhas impressões após cada sessão postadas no microblog Twitter. Lembro que alguns filmes tem cotação ligeiramente diferente daquelas nas críticas, justificando-se no processo de redação das resenhas que, inevitavelmente acabavam provocando sensações mais frias após vistas longe do calor da paixão.

1) Belleville-Tóquio: retrato naturalista, incompleto e pouco original da insatisfação e traição de um casal francês. 2/5
2) Small Town Murder Songs – Emulando os irmãos Coen, é prova de que Peter Stormare é um ótimo subestimado ator. 3/5
3) Fort McCoy – apostar na rotina diária da base militar de forma casuística é o ponto forte e, curiosamente, fraco do drama. 3/5
4) Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios – Intenso e ousado com uma excepcional Camila Pitanga. 4/5
5) Pater – Se é cinema, então é real. E a brincadeira de Alain Cavalier é oportuna. Apesar de apenas uma brincadeira. 3/5
6) O Caminho para Casa – Uma bela história sobre dor, perda e anjos da guarda que vêm nos resgatar. 4/5
7) Um Novo Mundo – Aborrecido igual a seus personagens artificiais. Coincidencias demais atrapalham também. 1/5
8) Era uma Vez na Anatolia – Comedia de humor negro em formato de road trip, mas exagera na duração. 3/5
9) Por que você esta chorando? – comedia romântica madura que preserva o suspense da resposta da pergunta título ate o fim. 4/5
10) A Morte de Pinochet – um documentário jamais poderia ser dirigido por alguém incapaz de ser imparcial. 2/5
11) Nervos à flor da pele – honesto retrato da juventude que, ocasionalmente, lembra malhação. 3/5
12) Carne de Néon – parecia um Guy Ritchie espanhol, termina como um filmaço de gangsters e trafico de mulheres. 5/5
13) Oslo, 31 de Agosto – um personagem triste e vazio, incapaz de encontrar a paz e abrigo que busca. 4/5
14) As Neves do Kilimanjaro – boa dinâmica, senso de humor e uma bela, apesar de moralista, mensagem. 4/5
15) O Palhaço – coisa linda de filme. Mágico. 5/5
16) O Garoto da Bicicleta – duro, intenso, um Biutiful infantil, no melhor sentido. 5/5
17) Ela não canta, ela chora – a composição de Ericka Plainte prejudica um filme cujo melhor momento é o acidente inicial. 2/5
18) Cuba Libre – a transexual Cléo é o trampolim de um discurso irregular da diversidade sexual em Havana. 3/5
19) Toast – uma deliciosa fabula gastronômica, com uma linda fotografia. 4/5
20) Amanhã Nunca Mais – Um Dia de Fúria versão paulista sem a bazuca. 4/5
21) O Vira-Casaca – abandona um tema interessante em súbitas mudanças de tom e uma perda de foco absurda. 2/5
22) Respirar – outro exemplar das consequências do abandono de uma criança, sem grandes méritos ou decepções. 3/5
23) Acorazado – um roteiro mais curioso que eficiente para um personagem estranho e pitoresco. 3/5
24) A Alma das Moscas – bobagem pretensiosamente poética, mas que é mesmo um nada cinematográfico. 1/5
25) O Levante – delicado retrato da 3ª idade na esperança da clonagem de Jesus. 4/5
26) Fim-de-semana à Beira Mar – exercício de linguagem inócuo e divertido. 3/5
27) Adeus – captura narrativa e visualmente o que é ser mulher no Irã. 5/5
28) Vida que Segue – até evita ser piegas, mas é um dramalhão sobre luto totalmente sem foco. 2/5
29) Great Kills Road – completa e absurda perda de tempo. 1/5
30) Cut – Repetitivo. Estranho. Clube da luta. 100 melhores filmes. Rosebud. 4/5
31) Las Acácias – estudo de personagem sensível, mas pouco emocionante. 3/5
32) Para Poucos – ninguém fala de sexualidade e sentimentos com honestidade e naturalidade como os franceses. 5/5
33) A Terra Ultrajada – os primeiros 40 minutos são tensos e excepcionais. O restante, nem tanto. 3/5
34) Em Algum lugar esta Noite – um tocante tour de force de Turturro e Borkowicz. 4/5
35) A Ilusão Cômica – não encontra correspondência visual ao lirismo e rimas dos diálogos. 2/5
36) Tudo pelo Poder – Hoffman, Gosling e Giamatti, nesta ordem, destroem no melhor drama político do ano. 5/5
37) The Mexican Suitcase – robusto e emocionalmente poderoso documentário sobre a importância das memórias e da fotografia. 5/5
38) A Casa – drama familiar lugar-comum com uma bela, mas inexpressiva, protagonista. 3/5
39) Habemus Papam – não fosse o narcisismo de Moretti, poderia ser um filme genial. O final também é questionável. 4/5
40) O Dominador – filme de vingança e super-herói Sul coreano. Precisa dizer mais? 4/5
41) Caverna dos Sonhos Esquecidos – absorve e fascina por sua imponência, espiritualidade e natureza. 4/5
42) Parada em Pleno Curso – drama intimista e depressivo sobre um paciente acometido de tumor maligno cerebral. 4/5
43) Bullhead – o melhor protagonista da mostra em um roteiro aquém e expositivo. 3/5
44) Rue Huvelin – atônito, assisti a uma das piores coisas da vida. Amadorismo julgando-se relevante. 1/5
45) Frango com Ameixas – hipnótico. Poética e melancolicamente belo. Uma obra de arte. Lindo! 5/5
46) Headhunters – thriller meramente escapista cujo roteiro tomba diante das implausiveis revelações. 2/5
47) Isto não é um Filme – apesar de tematicamente relevante, isto não é um bom filme. 2/5
48) Algumas Nuvens – comedia romântica italiana com os clichês das de Hollywood. 2/549) Blowfish – existe beleza e poesia no silencio. Duvido que o diretor deste saiba onde. 2/5
50) là-bas – Educação Criminal – uma história conhecida, mas razoavelmente tolerável e bem atuada. 3/5
51) This is My Picture when I Was Dead – exercício fútil e pouco revelador sustentado em recurso desleal e deselegante. 2/5 
52) Mentiras Sinceras – funciona mais quando usa a peça para falar do teatro, mas não como making of e bastidores 3/5

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1 comentário em “35ª Mostra de Cinema em São Paulo – Impressões Finais”

  1. Parabéns pela grande cobertura da Mostra, Márcio!

    Que essa experiência lhe sirva de incentivo pra continuar escrevendo e achar o seu lugar na crítica cinematográfica do nosso país! E tenho certeza que ainda nos encontraremos muito pelas cabines e eventos da vida.

    Um grande abraço, de seu colega e (claro) leitor. 😉

    João Marcos Flores.

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