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A Saga Crepúsculo: Amanhecer – Parte 1

A Saga Crepúsculo: Amanhecer – Parte 1 (The Twilight Saga: Breaking Dawn – Part 1, Estados Unidos, 2011). Direção: Bill Condon. Roteiro: Melissa Rosenberg. Elenco: Kristen Stewart, Robert Pattinson, Taylor Lautner, Billy Burke. Duração: 118 minutos.
Existe um porquê da saga Crepúsculo jamais ter dado às caras neste espaço: eu não acreditava que o esforço de escrever um texto coerente e argumentado sobre um dos ícones dos jovens hodiernos valha a pena. Àqueles que verão o filme sequer se importam a respeito da qualidade ou não da produção, bastando que Jacob tire a camisa ou que Edward e Bella troquem beijos para que a narrativa tenha cumprido seu objetivo. Ademais, os que se aventurarem em um texto de 1.000 palavras dificilmente fomentarão argumentos convincentes à discussão, retrucando de maneira ofensiva opiniões contrárias às suas com a precisão estilística e a coesão textual das obras de Stephenie Meyer. Mas, se mesmo o covarde Edward ousou macular a inocência e pureza de Bella, e Jacob rebelou-se contra a sua alcatéia, porque eu hesitaria em tecer minhas opiniões sobre este Amanhecer – Parte 1, que ao menos não é desprezível como os demais episódios da série?

(Mal) Escrito por Melissa Rosenberg, roteirista das demais adaptações, e obviamente desconhecendo a estrutura milenar em três atos, a narrativa perde tempo demais no casamento e lua de mel de Bella e Edward, introduzindo o razoavelmente interessante conflito tardiamente, apenas quando a metragem ultrapassara praticamente 1 hora. Começando com uma narrativa in off sobre o término da infância, seguida pela imagem de Jacob rasgando a sua camisa e a incapacidade de Bella em usar saltos altos, a roteirista parece abraçar obstinadamente os vícios do material original em momentos que deveriam ter sido poupados dos não-fãs. Assim, Bella e Edward são sequer capazes de elaborar uma lista de casamento de forma decente, ignorando o assassinato do marido de Irene por um lobisomem. Analogamente, se a etmologia do nome Renesme é ridícula criativamente, porque gastar segundos preciosos explicando-a como se duvidasse de que o público entenderia? Ao menos, Rosenberg ri de si mesma quando Jacob afirma ser “estranho andar vestido”, o que é lá engraçadinho.

Entretanto, do ponto de vista moralista, esse quarto episódio continua igualmente reprovável quanto os demais livros de Stephenie Meyer. Abandonando a alegoria da castidade, Meyer navega por águas muitos mais profundas quando começa a flertar com a prática do aborto, defendendo a cega idéia de manutenção do feto, embora este ameace a vida da progenitora. Escancarando de vez a doutrina alienatória conservadora, Meyer ironicamente não consegue alinhar-se segundo seu ponto de vista, e o adultério e a pedofilia caminham disfarçadas nas entrelinhas do seu texto. Logo, se o triângulo amoroso central parece não ser questionado mesmo após o casamento dos dois, o imprinting de Jacob por um bebê apenas reforça um relacionamento vindouro no mínimo condenável (e não me venham dizer que ele é apenas o protetor ou guardião dela, pois na conversa de Leah sobre este fenômeno lupino, claramente existe um viéis amoroso). Aliás, um conceito importante e crucial para o desfecho de Amanhecer – Parte 1 deveria ter sido apresentado desde Crepúsculo, e a omissão comprova a incapacidade da produção de desenvolver adequadamente o universo mágico de vampiros-fadas.

Em compensação, temos a oportunidade de acompanhar o nervosismo de Bella na noite de núpcias escovendo desajeitadamente os dentes, depilando as pernas ou descobrindo na sua mala diversas peças de lingeria que ela usa para seduzir Edward. Mas, do que adianta essa preparação se Bella é (novamente) retratada como um dos seres humanos mais estranhos da nossa espécie, sofrendo de rara espécie de narcolepsia que acomete noivas a poucos passos de pisar no altar. Isto, ou como explicar a elipse do pesadelo da moça sentada na cadeira de maquiagem? Edward também não escapa incólume e a decisão do sujeito (que brilha na luz do sol), de passar lua de mel em um lugar ensolarado só não supera a velocidade do cara em arrumar as malas (uma boa utilidade para a sua super-velocidade).

Entretanto, demos crédito a Edward cujo passado de caçadas é ao estilo Dexter Morgan, apesar da elipse usada para introduzir o flashback ser cafona, com direito a histéricos gritos do cinema de terror preto e branco. Mas, não posso sequer elogiar o sujeito e me vem uma trilha sonora acompanhando cada um de seus discursos (e são vários!). Dessa maneira, Amanhecer – Parte 1 lembra muito mais um videoclipe gigante com uma dezena de músicas incidentais do que necessariamente uma narrativa concisa. E nem mesmo a trilha sonora do normalmente competente Carter Burwell é suficiente para manter o interesse naqueles momentos mais água-com-açucar (e, novamente, são vários!).

Por outro lado, Jacob é mais expressivo como lobo do que ser humano, e a cena com a alcatéia ao estilo Caninos Brancos, totalmente gerada por computação gráfica, é ironicamente uma das de maior intensidade dramática da narrativa. Por falar nos lobisomens, finalmente eles assumem um papel de maior destaque, transformando-se nos antagonistas da (pacífica) família de vampiros dos Cullen. Isto, porém, implica que os Volturi, os grandes vilões da narrativa, apenas dêem as caras em uma patética cena pós-créditos, comprovando que a saga Crepúsculo simplesmente não tem nenhum propósito narrativo senão ser uma bobinha história de amor (saudades do bruxinho Harry Potter que, desde o episódio inicial, apresentava-se com um objetivo claro e bem definido).

Igualmente desinteressante como o trio de protagonistas, com ápice na depressiva (e suicida!) Bella, a direção de arte revela-se embaraçosa desde o quadro do lobo na parede ou do cachorro na cabeceira do quarto de Bella até a cruz inclinada remetendo à paixão de Cristo na casa dos Cullen. Menos problemática é a fotografia de Guillermo Navarro que ao menos consegue capturar a beleza idílica da ilha escolhida para a lua de mel (apesar de sabotado em uma sequência no luar mal produzida em computação gráfica).

Dirigido por Bill Condon, uma surpresa haja vista o currículo de intensas obras dramáticas (Deuses e Monstros, Kinsey – Vamos Falar de Sexo e Dreamgirls), a narrativa aposta em óbvios travellings, principalmente um circulo nos votos e beijo no casamento, e efeitos de filmagem desnecessários como aquele em que Edward na sacada da mansão confronta Jacob na floresta. Embora exage ligeiramente nos cortes rápidos no parto de Bella, na câmera subjetiva ou na viagem pelas células e tecidos da moça, Bill Condon gera uma pequena urgência nos 30 minutos finais mesmo que se saiba que a moça obviamente resistirá para a Parte 2. Maximizado pelos (dessa vez) bons efeitos visuais que transformam Bella em um quase-cadáver e prejudicado pela montagem frenética de Virginia Katz no confronto de lobos e vampiros (que deixaria Michael Bay orgulhoso), Amanhecer – Parte 1 despede-se com um close facilmente antecipado, mas que ao menos envia o espectador com uma sensação de fecho para o derradeiro episódio…

E desde já ansiosamente conto os minutos para seu lançamento, igual a um universitário nos últimos meses de curso. Agora se você não entendeu a ironia, parabéns, você foi doutrinado por Stephenie Meyer.

P.S.: durante os créditos finais existe uma cena extra (descartável, claro).

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8 comentários em “A Saga Crepúsculo: Amanhecer – Parte 1”

  1. Pra mim, o tom de urgência dos 30 minutos finais também ficou apenas na tentativa. Achei o parto um saco, e só gostei um pouquinho das transformações internas de Bella, antes dessas recaírem na repetição. Acho que eu já estava incomodado o suficiente com o fato de NADA ter acontecido e não embarquei na "tensão".

  2. Filme particularmente fraco. Poderia ser bem melhor. Interessante como o lobo adolescente no filme continua mais interessante que o vampiro retratado no livro como culto, de beleza ímpar e inteligente. E o Brasil muito pouco mostrado e como sempre a visão que somos um povo lascivo e devasso.

  3. Como sempre críticas maldosas quanto aos filmes da série… Não sou crítica de cinema, tão pouco adolescente obstinada. Não creio no gosto masculino pela série, já que se trata de uma narrativa extremamente feminina, mas, mesmo assim, estou ouvindo muitos homens gostando de verdade. Mas, o ponto em questão é como relacionar e falar de um texto que não se leu (isso vc acabou de deixar absurdamente claro quando mencionou o imprinting)? Por favor, se me disser que a computação da bebê/adolescente no fim do filme foi realmente ruim, concordo totalmente, mas dizer que o texto é fraco ou usar qualquer outro adjetivo para algo que não se conhece é puro pré-conceito. CONHEÇA – ENTENDA – CRITIQUE.
    Outra coisa que discordo é a razão da raiva pelo filme não ter nenhum grande significado além do romance. Se vc é uma pessoa dos filmes de ação ou dos super cabeça, por que outras pessoas não podem ser do romance? Ou do terror? Críticas não devem ir além do pessoal, pois o pessoal não assume padrões onde se possa dizer se algo é bom ou ruim. Se houve falha, se não foi bem editado, se não foi bem construído, isso cabe à crítica. Se somente possui romance ou garoto tirando a blusa, isso é gosto. Vamos cada um nos limitar às nossas funções. E sim, eu sou leitora da obra e possuo a capacidade plena de redigir um texto coeso, diferentemente do que expressou em sua opinião preconceituosa no início de seu posicionamento.

  4. Lari

    Agradeço seu comentário, mas discordo de você em um ponto crucial: Cinema e Literatura são veículos e mídias diferentes. Eu posso mencionar aspectos do livro? Sim, eu posso. Mas eu não critico a escrita de Stephenie Meyer, nem a maneira com que trata seus personagens, apenas conceitos introduzidos (considerando-se a fidedignidade do Livro e Filme nesse sentido).

    Agora, Cinema é independente de Literatura. Eu não tenho capacidade alguma de falar nada sobre os livros, pois nunca os li. Entretanto, eu tenho plena capacidade de falar dos Filmes, assisti a todos. Entenda que são mídias completamente diferentes, a velha história de que imagens falam mais do que mil palavras, etc e tal. Eu também não tenho preconceito algum com histórias de romance (nem com esta particularmente). Basta consultar algumas críticas recentes, para não mencionar clássicos, como Amor à Toda Prova, Amor à Distância, Querido John. Ou seja, CONHEÇA antes de sair falando mal de mim (é perfeitamente aceitável que você retruque a crítica e aprecio isto, fiz muitas amizades com pessoas que discordavam da minha opinião).

    Agora, cinematograficamente falando, Amanhecer, bem como todos os outros filmes da "saga" Crepúsculo, são fracos, pedestres, sem faíscas e química. Neste exemplar, gravíssimos problemas de ordem de narrativa são observados apenas pela maneira com que o filme é desenvolvido (não feche os olhos a isso). Agora entendo a frustração, você ama os livros e quer os defender. Eu, por minha vez, amo cinema, e parafraseando um crítico famoso: "não engulo aquilo que não gosto".

    Obrigado novamente pela participação.

  5. Os argumentos das crepusculetes são sempre os mesmos. Conheço o Márcio e sei que ele gosta de MUITOS romances, viu, Larissa? E aliás, dos críticos que merecem ser levados a sério, ele foi o mais bonzinho com esse lixo que é Amanhecer. Hahaha. 2 estrelas é MUITO. 🙂

  6. Ótima crítica. Concordo totalmente.
    As vezes fico me sentindo louca por não conseguir gostar dos filmes da saga, assim como dos livros, nem me esforçando muito. Nem como romance consigo entender!
    O mais curioso é o argumento utilizados pelas "crepusculetes" que insistem em utilizar os livros para explicar os filmes!

    Parabéns pelo blog, gostei muito das críticas que li.

  7. Ótima crítica, não assistir a este filme, nem quero. o terceiro acredito que foi o melhorzinho só que a sensaçao que tenho é de que as cenas são todas desconexas e outras desnecessárias, o primeiro filme foi ruim, o segundo péssimo e o terceiro incompreenddo por ser bonzinho, acontece que eu tô é meio ''traumatizado'' com crepúsculo, afinal é só 4 dvds de uma humana que se apaixonou por um vampiro, qe vai ter um filho com ele e ser feliz pra sempre, poxa até hancock consegue ser mais coerente e interessante.
    ps. Não sei porquê mencionei Hancock acima.

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