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Tia Virgínia

4/5

Tia Virgínia

2023

100 minutos

4/5

Diretor: Fabio Meira

Em Tia Virgínia observamos, quase como um dos parentes, a uma família que tenta comemorar seu primeiro natal após a morte do patriarca. A figura central do filme é a Tia Virgínia (Vera Holtz), uma mulher que nunca casou ou teve filhos, e abdicou de seus sonhos para tomar conta dos pais na velha casa – toda família possui uma Tia Virgínia. A data comemorativa ainda vai ter sua temperatura elevada com a chegada das duas irmãs Valquíria (Louise Cardoso) e Vanda (Arlette Salles), com quem Virgínia possui uma relação turbulenta.

O estado emocional de Virgínia é constantemente explorado no filme. Seu isolamento no canto do quadro, a fragmentação de sua imagem em espelhos e o confabular de memórias nunca vividas por meio de porta retratos antigos na parede. Sua relação com o tempo perdido é amarga. O filme já se inicia com a protagonista ajustando as horas de um dos vários relógios presentes na casa. Ela entende que existe uma dívida das irmãs com ela dado o seu sacrifício. Que sua felicidade lhe foi tomada, enquanto suas irmãs viveram na plenitude. Mas se observarmos de perto, vemos que as três irmãs possuem tristezas em seu interior. Valquíria viaja sem o marido. Apenas seu filho a acompanha. Ainda assim, este está longe da imagem de médico promissor que a mãe ilustra em suas descrições. Vanda também busca ocultar seus problemas por trás da imagem de mulher bem sucedida. Contudo, tenta disfarçar a degeneração mental de seu marido (Antônio Pitanga), as preocupações com a filha e o sofrimento com a ausência do filho naquela data de união.

Existe uma inspiração Almodovariana no transpor à tela dessa dinâmica familiar. Trata-se de um drama centrado na relação entre mulheres fortes, cada uma a sua maneira. A ambientação Kitsch da casa é outro elemento que remete ao diretor espanhol. O excesso de elementos cênicos e as cores saturadas – em especial o vermelho. Até mesmo o figurino ilustra a rixa existente entre as irmãs. Enquanto as cores das roupas de Valquíria e Vanda se repetem, o azul de Virgínia sempre está em contraste. A maneira como Fábio Meira trabalha os espaços e cenários também merece atenção. O apontamento a um presépio que a família se recusa a dar atenção. Ou às discussões entre as irmãs a respeito de quem dormiria no quarto principal. Meira consegue trabalhar esse sufocamento de Virgínia tanto no quartinho de empregada, quanto no banheiro da casa. Com ajuda do diretor de fotografia, Leonardo Feliciano, sentimos a claustrofobia do pequeno cômodo abarrotado de móveis, na mesma medida que nos sentimos enclausurados pelas paredes e teto do banheiro em que Virgínia se refugia para fumar. Mais do que apenas olhar, somos obrigados a perceber Virgínia, inclusive, através de seus movimentos de zoom abruptos como exclamações.

Tia Virgínia sufocada entre paredes, isolada no banheiro. Apenas a pequena abertura do basculante está disponível. É claustrofóbica sua angústia. / Imagem: Divulgação.

Orbitando as três irmãs, os outros personagens também possuem idiossincrasias e seus momentos de destaque. Antônio Pitanga como o cunhado mentalmente prejudicado é responsável pelos melhores momentos de alívio cômico do filme. Outro destaque é Vera Valdez como a catatônica matriarca. Apesar de ser uma figura fragilizada pela situação em que sua saúde se encontra, é possível sentir a força da personagem através de seu olhar atravessador. Sua limitação não impede que se mostre presente na narrativa. Sua personagem grita, ora com os olhos, ora quando resolve se urinar para interromper uma discussão. O trecho do filme que ilustra seus cuidados muito me lembra Fale com Ela, de Almodóvar. O sobrinho (Iuri Saraiva), claramente alcoólatra, está longe de ser o filho modelo que sua mãe, Valquíria, gostaria de exibir a todos. Chegando até mesmo a importunar a assistente doméstica de sua tia, provocando a sua demissão. A sobrinha (Daniela Fontan) é a que está mais em harmonia com sua tia. Sua falta de um plano consolidado, buscando ser encaminhada pelo curso da vida, pode fazer dela uma “futura tia Virgínia”. Até mesmo a figura do falecido patriarca pode ser sentida dentro daquelas vinte e quatro horas. Cada personagem compõem uma estrela dessa constelação familiar. E, não é difícil, enquanto espectador, se identificar com a história por encontrar neles pequenas semelhanças com figuras da própria família.

Duas gerações acompanham a matriarca vivida com grande expressividade por Vera Valdez. Atenção também à riqueza de elementos ao fundo indicando a passagem de tempo / Imagem: Divulgação.

Tia Virgínia nos oferece momentos de tensão e, ao mesmo tempo, conforto. Sua trama nos coloca em um lugar familiar. O cenário que remete à casa de vó, as discussões familiares que se iniciam pelos mais fúteis motivos e até mesmo as personalidades dos personagens são facilmente encontrados na família média brasileira. Mas ainda que conte com uma história universal, o tratamento único e íntimo, com que Meira trata seus personagens e também preenche o quadro com histórias paralelas que acontecem em simultâneo, fazem de Tia Virgínia uma história especial. Apesar de farpas, e até tapas trocados, é possível sentir o sentimento que une essa família fragmentada. E mesmo com o drama e a tensão que pairam pelos cômodos, não são poucos os momentos de risadas. O diretor consegue nos emocionar ainda mais preenchendo o fundo com a música de Milton Nascimento com a mesma intensidade com que nos faz rir na cena cartunesca envolvendo o bolero de Ravel. É simplesmente impossível não se identificar e se emocionar com Tia Virgínia e toda a sua família.

Tia Virgínia foi exibido no 17 Festival Internacional de Cinema Cine BH

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