Bill (Sheen) e Kate (Bello) são um casal à beira da separação, surpreendidos com a notícia de que o filho único Sammy (Gallner) cometeu um assassinato em massa na universidade onde estudava antes de tirar a sua própria vida. Muito mais do que digerir a perda do filho e lidar com as pressões internas e externas, Bill e Kate meditam acerca dos percalços nos 18 anos de vida de Sammy que o transformaram em um autêntico monstro. De quem é a culpa: de Bill, emocionalmente distante e calado, incapaz de expor seus sentimentos e amor; ou de Kate, exageradamente superprotetora e sensível? Nesse dilema imposto por Ku, as palavras são inexoravelmente desnecessárias, abrindo espaço para a contemplação daquela tragédia familiar e social. Assim, os diálogos e embates verbais materializam a dor da perda e a frustração de não terem conseguido cumprir as obrigações da paternidade. No entanto, diálogos jamais conseguiriam captar o desespero de um atônito Bill, no segundo plano, ao observar a reação da esposa enquanto recebe as más notícias.
Nesse sentido, é louvável o esforço de Ku de afastar a hipocrisia quando os pais reconhecem, dada as suas ressalvas, a natureza monstruosa das ações do filho. Envergonhados, apesar de amarem incondicionalmente a memória de Sammy, Bill e Kate não hesitam em apresentar suas desculpas em rede nacional e abaixar a cabeça nos comentários de ódio retratados em diversas mídias da sociedade, afugentando conflitos inúteis e admitindo a sua responsabilidade. O perfil da rede social é inundado de mensagens raivosas e ofensivas, os telejornais expõem uma visão banhada em animosidade, os planos detalhe de jornais, vídeos na internet e comentários sobre a personalidade “quieta e reservada” de Sammy, não permitem que Bill e Kate consigam esquecer (se é que isto é possível).
Refugiando-se na casa de Eric (Tudyk), irmão de Kate, por determinado período de tempo, e viajando a Miami para as férias marcadas antes do incidente, o microuniverso estabelecido é reduzidíssimo (como deve ser) com a predominância de planos fechados. A separação auto-imposta na vida do casal, que sequer dividia o mesmo quarto, prenúncio de um divórcio inevitável, acaba cedendo lugar a união e apego e, uma pequena janela se abre, na sugestão de uma possível reconciliação.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
3 comentários em “Sugestões: Tarde Demais”
Desde que o trailer desse filme foi divulgado, fiquei bem interessado sobre a história. Queria ver qual seria o posicionamento do roteiro. Concordo quando diz que o diretor comete alguns tropeços, para mim faltou um pouco de "conflito". Contudo, isso também permitiu que o longa fosse totalmente focado nos personagens de Bello e Sheen, ambos em grande momento.
Já tinha lido umas coisas esparsas a respeito desse filme, mas nenhuma resenha com tanta propriedade. Fiquei verdadeiramente interessado no que você resenhou e com certeza vou me informar a respeito desse filme, justamente para conferir o que, pelo que entendi, pode ser uma obra dramático-reflexiva muito válida!
Gostei muito da sua análise psicológica dos personagens e do estilo da direção1 Parabéns. Estou ansiosa pra ver o filme…