Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

A Fera

A Fera (Beastly, Estados Unidos, 2011). Direção: Daniel Barnz. Roteiro: Daniel Barnz baseado no livro de Alex Flinn. Elenco: Alex Pettyfer, Vanessa Hudgens, Mary-Kate Olsen, Lisa Gay Hamilton, Neil Patrick Harris, Roc LaFortune, Peter Krause. Duração: 88 minutos.

As únicas feras a saírem da sessão de cinema desta bobagem  cinematográfica são os amantes do cinema de qualidade e os fãs do histórico material no qual o livro (o qual não li) de Alex Flinn é baseado. Escrito há quase três séculos na França por Gabrielle-Suzanne Barbot e, posteriormente adaptado e resumido na versão popularmente conhecida de Jeanne-Marie LePrince de Beaumont, o conto da Bela e a Fera, que rendeu a obra-prima animada da Disney em 1991, é uma ode à beleza interior, um convite a enxergar o próximo além da aparência física, o que, no mundo cinematográfico seria equivalente a ignorar o apelo global dos atores principais e o invólucro da produção, e se concentrar exclusivamente na narrativa, deixando-se absorver por esta.

O que vai ter de gente correndo para os cinemas porque A Fera estrela Vanessa Hudgens, recém egressa de High School Musical, e o garotão Alex Pettyfer, dos fraquíssimos Eu Sou Número 4 e O Preço do Amanhã, ou como os produtores desejavam, alguém na veia de Robert Pattinson, atesta que a moralista mensagem secular sequer se esforça para entrar nos preguiçosos ouvidos dos espectadores da geração Crepúsculo. São eles o público-alvo de A Fera, e da mesma maneira com que destruíram completamente a fábula de Chapeuzinho Vermelho em A Garota da Capa Vermelha, a belíssima mensagem é trabalhada com a mesma sutileza e requinte do recluso e monstruoso anti-herói da narativa original. Ou seja: nenhum.
Kyle (Pettyfer) é um estudante egocêntrico e narcisista que acredita que a aparência é exclusivamente determinante para o seu sucesso. Rodeado de pessoas interessadas unicamente nas possibilidades que a amizade com o almofadinha lhes reserva, depois de realizar uma brincadeira de mau gosto com Kendra (Olsen), uma bruxa, ela o amaldiçoa a ficar feio por fora como ele o é por dentro. O resultado, um milagre da maquiagem… err, não…, é um sujeito de aparência grotesca cujas algumas veias parecem bombear o metal líquido do T-1000 e outras sugerem o desenho da mística rosa que seria a ampulheta da maldição. Eventualmente, no seu antebraço também há as rosas, o que destrói qualquer mínima sutileza na caracterização das negras linhas no seu rosto e cicatrizes.
Mas, eu seria preciosista se eu restringesse os problemas de A Fera a maquiagem. Diferentemente da fera original, Kyle é um perfeito babaca. Antipático, misógino, presunçoso e arrogante, Kyle passa por cima de todos para conseguir os seus objetivos e interesses e, mais do que isso, não hesita em se vangloriar disso diante de todos, presumindo que os demais sejam estúpidos o bastante para elegê-lo apesar de saberem o crápula que ele é (eles o elegem). Fundamentalmente, esse é o ponto de partida, essencial para que exista o arco dramático da mudança de comportamento e personalidade de Kyle e a eventual transformação em um bom homem. Indiscutivelmente, porém, Kyle não muda em nada, mantendo-se tão vaidoso quanto o vimos no começo da narrativa, pois a única coisa com que ele se importa verdadeiramente é a sua aparência (constantemente conferida no espelho) e nenhuma das cartas de amor enviadas para Lindy (Hudgens) mudaria isso.
Eis a perda da sutileza. Se na versão original a Fera aceitava a monstruosidade da sua condição, aproximando-se de Bela por um acaso do destino, aqui Kyle forçosamente precisava encontrar alguém que o ache bonito por dentro, caso contrário ele estará fadado a permanecer feio para sempre. Dessa maneira, não é a aparência que se molda ao amor, e sim o contrário; algo notório no desesperado pedido de Kyle por mais tempo a Kendra para que possa definitivamente conquistar Lindy e livrar-se da maldição.
Sim, a única coisa que Kyle se importa é em voltar a ser ele mesmo. Mas, quem poderia culpá-lo se a hipocrisia do mundo moderno exige isso dele. Qual a importância do amor verdadeiro no romance de Kyle e Lindy, pois basta possuir a aparência mais atraente para conseguir o que quiser, ensinamento lhe passado por seu pai Rob (Krause). Estão vendo onde eu quero chegar? Mais do que isso, Lindy surge igualmente desinteressante e incapaz de despertar a simples faísca da paixão. Seu humor modifica-se quase como quem troca de roupa, e na mesma cena (juro), a garota alterna uma personalidade espirituosa, feliz, deprimida e aborrecida, com direito inclusive a fazer biquinho. Retratada como uma jovem desleixada e ignorada pelos flertes dos rapazes, Lindy se torna uma presa muito fácil para Kyle, o que torna a maldição de Kendra apenas uma questão de tempo para ser quebrada.
Novo diferença essencial para o material original. Bela era essencialmente a mais bela do reino (trocadilho infeliz, mas, fazer o que?), o que torna a tarefa da Fera muito mais exaustiva do que a de Kyle. Ora, quem esperaria à primeira vista que Bela se apaixonaria por alguém tão monstruoso, mesmo sendo ele um príncipe? A bondade e generosidade da garota somados a seu sacrifício para salvar o pai tornavam-na comovente, o que Lindy parece não possuir nesta adaptação.
Ainda assim, quem gostou exclusivamente por causa dos diálogos maniqueístas e melosos, dos eu te amo exacerbados e da beleza dos protagonistas, não pode simplesmente ignorar a decisão do roteiro de Daniel Barnz de praticamente entregar Lindy aos cuidados de Kyle apenas por que ele disse que iria protegê-la. Muito mais amedrontador e violento do que os bandidos que tentaram roubar Lindy, a incompreensivel direção do mesmo Barnz transforma aquele momento em um dos mais surreais do ano, por motivos completamente esdrúxulos.
Sem oferecer absolutamente nada em retorno ao espectador que apenas assiste atônito enquanto A Fera se rende à beleza de Lindy e ao amor, apenas faltaram o castiçal falante, o espanador ou quem sabe Gaston. Mas, pensando bem, por que destruir mais ainda o material clássico?

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6 comentários em “A Fera”

  1. Essa cena que você citou no final é algo realmente estúpido. Primeiro, achei que era um assalto. Depois, que era um acerto de contas com do pai drogado com um traficante. Enfim, só sei que foi estúpida.

    E o filme teria chegado perto de alguma salvação se tivesse um final melancólico. O água-com-açúcar acabou azedando tudo!

    A maquiagem achei até boa, menos no momento que dá um close na mão dele e as cicatrizes parecem feitas com espuma de isopor de sacolão.

    E uma última coisa que me incomodou muito e que citei em minha crítica: de onde vem essa insistência de colocar a invasão de locais proibidos durante a noite como algo romântico? E que bosta de video sobre elefanta é aquele? Quem é idiota de acreditar que uma aliá vai sofrer com a morte de um filhote UM ANO DEPOIS? Me poupem!

  2. Oi Márcio!
    Sou o Lucas Sá de São Luís e tenho um blog sobre cinema também, com críticas e curiosidades. Acompanho o blog a algum tempo e queria saber se está afim de uma parceria entre ambos.

    Até.

  3. Cara, eu vi o filme. Não li o livro (ainda), mas a única coisa que eu gostei foi exatamente isso que você concluiu "a única coisa que Kyle se importa é em voltar a ser ele mesmo. Mas, quem poderia culpá-lo se a hipocrisia do mundo moderno exige isso dele." O que eu gostei desse filme foi que esfregou isso na cara das pessoas. No mundo real não há "plebeias" como Bela, nem monstros (aparentemente) como a "Fera".
    Nós criamos um padrão de perfeição que quem não o tem acaba sendo algumas vezes discriminado.
    Bom, eu acho que o filme poderia ter sido bem melhor, mas em geral livros são sempre melhores que filmes, e é claro que em um filme-desenho, não há limites. Não dava para dar "vida" a xícaras, velas e etc.
    Antes de qualquer coisa, não estou defendendo o filme ok? Estou apenas analisando o filme, assim como você fez.
    Pelo que eu vi, praticamente no final dele, ele muda (não por fora, mas por dentro) e deixa ela ir embora, para a tal viagem que ela queria fazer, sem se importar mais com "ficar feio para sempre". O que finalmente começa a se aproximar da "Fera" original.
    Agora, eu achei totalmente "irreal" aquela cena do "acerto de contas" dos "agiotas", "drogados", ou sei lá o que eram.
    Nenhum pai deixaria a filha ir com um estranho. E eu entendo ela não ficar tão preocupada assim com aquele pai, ele só ferrou com a vida dela o tempo inteiro, e como eu disse: que pai deixaria um completo estranho (com aquela cara) levar a sua filha?

  4. Olá, boa tarde!
    Meu nome é Tamara e trabalho com licenciamento de textos.
    Atualmente estou trabalhando em um material didático, cujos autores gostariam de reproduzir um trecho do texto da resenha “A fera”.
    Se houver interesse em autorizar o uso na apostila, peço a gentileza de enviar e-mail para [email protected] para que eu possa informar mais detalhes do projeto.
    Agradecida,
    Tamara Queiroz

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