Esqueceram de Mim (Home Alone, Estados Unidos, 1990). Direção: Chris Columbus. Roteiro: John Hughes. Elenco: Macaulay Culkin, Joe Pesci, Daniel Stern, Catherine O’Hara, John Heard, Roberts Blossom, John Candy. Duração: 101 minutos.
Além de alçar Macaulay Culkin ao estrelato e à condição de ator mirim mais bem pago na década de 90, Esqueceram de Mim pode se orgulhar também de ter sido a maior arrecadação no seu ano de lançamento, assim como de possuir uma legião de fãs que idolatram até os dias de hoje as desventuras de Kevin McCallister, esquecido em casa na viagem de férias da família por ocasião das festas de final de ano para a França, devendo lidar com Harry e Marv, dois atrapalhados ladrões aproveitando-se da vizinhança vazia no período de celebrações. Todo este sucesso não é injustificado, é apenas exagerado, culminando em uma narrativa deveras genérica e óbvia na sua lição de moral, alçada a patamares elevadíssimos depois do memorável clímax, o qual definitivamente tornou-se a marca registrada da série e originou três continuações – uma direta, com o mesmo elenco do original; as outras duas descartáveis e direto para vídeo. Porém, esse especial natalino não poderia ficar completo sem esta divertidíssima aventura familiar.
Aventura essa que não seria nada do que é se não tivesse Macaulay Culkin. Maior trunfo do projeto, o jovem com então 10 anos de idade esbanja carisma e expressividade, contagiando o público com o simples, mas importante arco dramático do dependente caçula, forçado a adquirir certo senso de responsabilidade (usar o verbo amadurecer seria exagero). Essa evolução é registrada pelo ator-mirim, que no princípio é o irresponsável rei do pedaço, pulando na cama enquanto come pipoca, correndo pela casa agitando os braços e gritando – o que viria a ser a marca-registrada de Kevin – ou assistindo filmes que não deve e mexendo nas coisas do irmão mais velho; além disso, ele age semelhante a qualquer outra criança, escondendo-se embaixo da cama ou das cobertas quando assustado. Ao longo do tempo, porém, além de realizar algumas atividades de adultos, as quais ele convence com destreza e segurança, Kevin também demonstra arrependimento, compaixão e a obrigação de proteger a sua casa com os meios que dispõe.
Quem seria, porém, Kevin sem seus antagonistas, Harry (Pesci) e Marv (Stern), os auto-proclamados wet bandits? Convencendo como sujeitos perigosos – especialmente Pesci, saído de Os Bons Companheiros -, a dupla de ladrões possui um charme malicioso e profissionalismo, observado desde a cena de abertura a qual encontra Harry disfarçado de policial, praticando a engenharia social necessária para descobrir quais as casas estarão vazias no feriado natalino. Eventualmente, a imagem restante é aquela de desastrados e indefesos bandidos nas mãos de um sádico garotinho (por que não?), submetidos a um campo minado de divertidas armadilhas envolvendo brinquedos, decorações de natal, o ferro de passar, duas escadas derrapantes e, claro, uma tarântula. Enfim, Catherine O’Hara tem a doçura e o amor materno fundamentais para que nos importemos com a subtrama de sua desesperada busca por um vôo de volta para casa nos lotados aeroportos.
Apresentando-se diretor ideal para o projeto, apesar de algumas ressalvas, Chris Columbus martela no espectador a mensagem óbvia da importância da família, através da acentuada dimensão da casa para Kevin, da solitária caminhada nas desertas calçadas da vizinhança e do triste olhar lançado à comemoração da ceia de Natal de outra família. Columbus também não é muito sensível em transformar Roberts Blossom em um vizinho assustador, enquadrando-o sempre debaixo para cima, com os olhos vidrados disparados a Kevin. Entretanto, Columbus acerta em um aspecto determinante: a evolução dos enquadramentos de Kevin simultaneamente ao seu arco dramátcio. Se a princípio, Kevin é visto sempre de cima para baixo, o que o diminui em relação aos seus familiares ilustrando a sua dependência naquela família, ao adquirir segurança para defender a sua casa, ele assume uma postura superior mesmo em relação aos assaltantes, colocando-se em pontos mais altos, que lhe conferem uma vantagem e superioridade. Enfim, no inevitável reencontro com a família, Columbus mantém o mesmo eixo de filmagem para Kevin e os demais, ilustrando definitivamente a sua integração.
A direção de Columbus é habilidosa na conturbada apresentação daquela família na mise en scène inicial e nas discretas exibições daquelas que seriam as armas de Kevin contra os bandidos, apesar do teatro de sombras com manequins soar exagerado e superproduzido. Por sua vez, o roteiro de John Hughes descreve situações que nascem divertidas desde a concepção, como o uso do fictício filme noir durante a entrega da pizza e de uma das investidas de Marv. Além disso, buscando inspiração nos clássicos do humor físico e cinema pastelão, como Os Três Patetas, O Gordo e o Magro e os Looney Tunes, as armadilhas usadas por Kevin, por mais elaboradas que pareçam, sugerem as ações de uma criança o que é fundamental para que o clímax funcione tão bem. E, salvo a improvável decisão dos bandidos de chegarem na casinha de árvore por meio de uma frágil corda, as ações de Harry e Marv também não têm o intuito de facilitar a vida do garoto, sempre pegos desprevinidos; aliás, como poderia esquecer de mencionar a famosa frase “Harry, não se mexa!”, retrucada por um assustado e receoso Harry.
Apresentando o saudoso John Candy em uma participação curta, mas importante, a alegada presença de Elvis Presley no saguão do aeroporto (ele havia morrido em 1977, o que não impede que seus fãs tracem teorias da conspiração de que o rei não morreu) e um dos piores exemplares da história do cinema de product placement – a nefasta cena da balinha Tic-Tac -, Esqueceram de Mim também se beneficia da ótima montagem de Raja Gosnell, conferindo um clima alucinante entrecortado com obrigatórias reflexões natalinas, bem como da trilha sonora do mestre John Williams indicada ao Oscar.
Distante de ser o clássico defendidos por muitos, no entanto, sempre lembrado com afeição e carinho, Esqueceram de Mim é um dos raríssimos casos em que o excepcional clímax e grandes atuações salvam o burocrático e derivado lugar-comum, típico deste período do ano e, mais ainda, de uma produção familiar. Felizmente, Kevin resistiu à árdua passagem do tempo; uma pena, porém, que o seu intérprete não compartilhou a mesma sorte.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
1 comentário em “Esqueceram de Mim”
adoro esse filme