Escrito por Josh Appelbaum e André Nemec, o roteiro simples beneficia-se de um charme nostálgico que permite o retorno ao cinema de ação de outrora no qual os papéis dos heróis e vilões eram bem definidos, e a missão daqueles era unicamente prevenir que esses destruíssem o mundo. Após uma missão mal sucedida na Rússia, os agentes da IMF são incriminados pelo atentado terrorista que destruiu o Kremlin. Desautorizados de agir pelo governo americano, depois de invocado o protocolo fantasma, Ethan Hunt (Cruise), o misterioso Brandt (Renner), Benji (Pegg) e Jane (Patton) unem-se por conta própria para interromper Hendricks (Nyqvist), um louco terrorista que detém os códigos de lançamentos das ogivas nucleares russas e planeja iniciar uma nova guerra mundial. Logo, a missão da equipe formada às pressas consiste em prever os próximos passos de Hendricks – a transferência dos códigos, o ativamento da ogiva via satélita – e evitar o desastre iminente, apesar da ocorrência de imprevistos e falhas na execução do plano. Muito preto no branco, o roteiro adiciona tons cinzas unicamente na revelação da identidade de Brandt, e nem esta é tão relevante assim para a narrativa. Não existe a insegurança na busca do traidor ou o retrocesso habitual para conferir coerência ao roteiro; a ação é linear, objetiva e urgente, e apesar de não ter celebrada por sua inteligência, ela tampouco caçoa ou debocha do espectador.
Apostando no tom leve e descompromissado desde o resgate de Hunt de uma prisão russa ao som de Dean Martin, a transição de Brad Bird das animações da Pixar para o live action atesta a estupidez do preconceito existente e fomentado na indústria cinematográfica entre essas duas mídas. Ensinando aos discípulos de Michael Bay como se decupar um filme de ação, Bird estabelece a geografia de cada sequência antes do seu desenrolar e investe em cortes planejados e oportunos que conferem um ritmo fluido e permitem a plena compreensão do que realmente está acontecendo na tela. Nesse sentido, nem a confusa ação dentro de uma tempestade de areia consegue minar o excepcional trabalho do diretor nesse quesito. Contando com três das mais empolgantes cenas de ação do ano – a escalada externa do Burj Khalifa, o prédio mais alto do mundo, culminando em um salto extraordinário, o clímax no prédio garagem e o tiroteio que resulta no capotamento de um carro -, M:I-4 é, indiscutivelmente, o melhor exemplar da franquia no quesito ação e orgulha-se disso.
M:I-4 também é o mais engraçado da série, afastando a postura cisuda e séria atribuída a Ethan Hunt e investindo em momentos exclusivamente cômicos, sobretudo no recém alçado agente de campo Benji, interpretado pelo hilário Simon Pegg. Durante a fuga de um hospital, o arrependimento de Ethan de pular de um beiral a alguns andares de altura arranca risos na troca de olhares entre ele e o agente russo Sidorov (Mashkov), e não me recordo de momento algum na série em que Tom Cruise abraçava o humor. Aliás, se contabilizadas as divertidas contusões sofridas por Ethan nos pequenos deslizes e erros de cálculo cometidos, é evidente as concessões na mudança do enfoque do agente. Igualmente engraçado é o destino de uma das luvas usadas na escalada do Burj Khalifa, cujo destino é enfatizado por seu último som produzido, ou a brincadeira realizada com a auto-destruição de um dispositivo. Menos eficiente, porém, é o alongamento (!) de Brandt antes de reproduzir o icônico salto no fosso de ventilação.
Apresentando invenções de causar inveja a James Bond, como lentes oculares de reconhecimento ou uma tela de renderização de imagens, felizmente a máscara fartamente usada no segundo episódio é descartada neste por motivos de ordem técnica, embora o uso por determinado vilão mantenhan-se uma incógnita. Deixando a desejar nos principais efeitos especiais, sobretudo a destruição do Kremlin e a a tempestade de areia vista ao fundo, a captação do aúdio e a edição do som por sua vez são excepcionais, atingindo o ápice no vertiginoso sibilar do vento antes da escalada de Ethan.
Montado com fluidez por Paul Hirsch, especialmente na instigante entrega simultânea dos códigos nucleares, e fotografado com competência por Robert Elswit, convidando a visitar Moscou, Dubai e Bombai conferindo beleza e personalidade a cada uma dessas cidades, a trilha sonora de Michael Giacchino destaca-se, reaproveitando o viciante tema original da série, e permitindo a introdução das culturalidades musicais de cada país na composição característica de um filme de espionagem e ação.
Habitualmente seguro, Tom Cruise revisita o agente Ethan Hunt, novamente realizando a maioria das cenas sem uso de dublês, e levando-se menos a sério no processo. Ao lado de Simon Pegg e da vistosa, porém sem graça Paula Patton, Jeremy Renner demostra segurança e sensibilidade no ensaio da passagem de bastão para a continuidade da série. O que é irônico, haja visto que Renner herdou do colega Matt Damon as aventuras do assassino Jason Bourne e, futuramente, pode ser o substituto de Tom Cruise na série Missão: Impossível. Finalmente, Michael Nyqvist, embora inferior ao vilão interpretado por Philip Seymour Hoffman no episódio anterior, revela-se um homem obcecado e completamente comprometido com sua missão, o que o torna um adversário perigoso e disposto ao maior dos sacrifícios.
Provando-se uma franquia resiliente e inovadora, capaz de reinventar-se a cada episódio, espero novas missões impossíveis dos agentes da IMF e de Brad Bird, independentemente do formato escolhido pelo diretor (animação ou live action). Pois, infelizmente, as chances desse casamento perfeito repetir-se em M:I-5 são improváveis, embora haja uma luz no final do túnel, algo que para Ethan Hunt é sinônimo de missão cumprida.
P.S.: Ving Rhames ganhou 7,7 milhões de dólares para reprisar o papel de Luther… por 1 minuto.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
5 comentários em “Missão: Impossível – Protocolo Fantasma”
Muito interessante esta postagem!
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Mesmo após pesquisar sobre o filme, não sabia desse contrato milionário do Ving Rhames
hehehehehe
Parabéns pelo texto muitíssimo bem escrito!
:-)))) Conseguiu explicar com extrema clareza e em poucas palavras todo oótimo trabalho do Giacchino na trilha sonora
Grande Abraço
Este comentário foi removido pelo autor.
Finalmente, alguém que não acha o vilão ruim como apontam. Não que seja bom, mas nada que prejudique a fluidez sensacional do filme. É pura diversão, com cenas de ação bem coreografadas e efeitos, que, discordo, acho ótimos. Os alívios cômicos inseridos constantemente – mas sem excessos – funcionam muito bem, Simon Pegg está excelente como de costume e, para minha surpresa, até o, pra mim, até então, antipático Jeremy Renner, tem seus momentos engraçados. Adorei e, sem pensar muito, imagino que seja a melhor ação do ano.
E, sim, a cena da escalada do prédio merece destaque. É brilhante!
Parabéns pelas suas críticas.
Você escreve muito bem e não entrega detalhes importantes dos filmes
como tenho visto em alguns outros sites.
Sempre que puder volto aqui para ler seus textos.
luciano