Os Especialistas (Killer Elite, 2011, Estados Unidos/Austrália). Direção: Gary McKendry. Roteiro: Matt Sherrig. Elenco: Jason Statham, Robert De Niro, Clive Owen, Dominic Purcell, Aden Young, Yvonne Strahovsky, Ben Mendelsohn, Adewale Akinnuoye-Agbaje, David Whiteley. Duração: 116 minutos.
Baseado no debatido e controverso livro de Ranulph Fiennes, The Feather Men, Os Especialistas é o mais novo exemplar genérico e convencional do cinema de ação a trazer Jason Statham como um asassino contratado. A única diferença para os restantes é que este orgulhosamente estampa os dizeres “baseado em fatos reais” nos créditos – e no pôster nacional -, buscando na ínfima e tênue linha do realismo, uma espécie de relevância jamais justificada pelo intrincado e confuso roteiro e as quase duas horas de narrativa. Os esforços de ser levado a sério são tão grandes que a narrativa assume proporções geopolíticas gigantescas e desnecessárias, nos letreiros que estabelecem a ação em outro país, e na banal relação contemporânea da caos econômico e do interesse capitalista no petróleo do Oriente Médio na década de 80.
Nesse panorama, conhecemos Danny (Statham) e o seu mestre Hunter (De Niro), dois mercenários a serviço no México, em uma operação cujo resultado abala emocionalmente Danny (
“eu não aguento mais”, diz ele) a ponto de largar a profissão. Morando na Austrália, o seu passado volta a persegui-lo com o sequestro de Hunter por um poderoso sheik, cujos três filhos foram assassinados por oficiais britânico do SAS (os
feather men). Para resgatar seu mestre, Danny deve extrair uma confissão de cada um dos responsáveis antes de matá-los e fazer parecer como se fosse um acidente, o que o põe em rota de colisão com Spike (Owen), um obstinado ex-membro do SAS.
Mas, o roteiro de Matt Sherig é muito mais amplo e envolve traições no alto escalão britânico, mais precisamente no Conselho, a participação do contratante dos mercenários (Agbaje), dentre outros, o que torna um esforço considerável para o espectador saber exatamente o que está acontecendo, quem está trabalhando para quem e porque, etc. Apesar de valorizar esse elemento tão importante na produção de qualquer bom filme, os fãs de Statham têm outros interesses em Os Especialistas e para azar deles, as perseguições de carro, as fugas e as lutas são exaustivamente burocráticas, devendo até mesmo para os exemplares mais recentes de Steven Seagal ou Van-Damme, que ao menos tem a vantagem de ter alguma arte marcial do seu lado. Dessa maneira, entre socos e pontapés, tiroteios e batidas automobilísticas, o espectador sabe exatamente a condução da história do seu (anti)herói e o que esperar da conclusão.
Combinado à inevitabilidade narrativa, a montagem de John Gilbert erra nos cortes rápidos que, associados à fotografia escurecida de Simon Duggan, tornam incompreensível uma luta entre Danny e Spike. Por falar nela, é impressionante como os diretores de fotografia têm se tornado preguiçosos apostando em uma textura granulada e na paleta de cores quentes nas cenas do Oriente Médio, e cores mais frias e sombras na ação no velho continente.
Velho, aliás, é um adjetivo que casa perfeitamente bem com Os Especialistas que, apesar de integrar o time de filmes de ação brucutu e de macho, não evita os clichês mais inconvenientes do gênero ou frases de efeito ditas nos momentos mais inapropriados. Dessa forma, como levar a sério quando um especialista em explosivos solta um “oops” após uma detonação bem sucedida? Somam-se a isto os flashbacks na Austrália envolvendo Danny e sua namorada Anne (Strahovski), transformando-a no ponto fraco do sujeito, ou a inclusão de um novo integrante no restrito time de assassinos – sempre é um mau indicador no gênero. Acertando raramente nos diálogos, um dos poucos aproveitáveis é o de um membro do Conselho ao questionar a intervenção dos feather men, “Eu não tenho problemas com sangue, o que me preocupa é a tinta”, o roteiro de Sherig comete o maior dos equívocos, fazendo-nos questionar a inteligência dos seus personagens.
Iludindo-se de que estamos observando um jogo de gato e rato no qual o mínimo deslize é suficiente para ameaçar à vida dos envolvidos, Danny cobre os rastos (as pegadas deixas em uma poça d’água) e Spike sempre está a espreita do novo movimento do mercenário. Disparate ao bom-senso, porém, Danny envenena um ex-soldado no meio de um treinamento e seu comparsa Davies (Purcell), cujo sotaque falso é imediatamente desmascarado, encontra um jeito de se transformar em um “alívio cômico” com seu jeitão atrapalhado (estamos falando de um assassino profissional). Por sua vez, Meier (Young), aparentemente mais inteligente, revela-se incompetente portando um binóculos 100 metros de distância de um acidente e denunciando, consequentemente, a sua posição aos feather men. Mas, o que dizer dos membros deste que facilmente assumem a autoria de crimes de guerra em frente a uma câmera?
Interpretando Danny com a habitual segurança e seriedade, Jason Statham está confortável no papel que reprisa pela décima vez. Enquanto isso, Clive Owen esconde-se atrás da obstinação e idealismo fajuto de Spike, ao passo que Robert De Niro acrescenta mais um papel coadjuvante inútil na sua premiada carreira.
Relembrando o trauma vivido no México em um momento chave – o porquê dele não lembrar nas mortes anteriores permanece um mistério -, Os Especialistas é apenas mais um esforço derivado e ordinário do cinema de ação. Pessoalmente, eu preferia quando o título nacional deste filme vinha no singular e estrelava Rocky Balboa, Catherine Tramell e o Tiago Madeira.
Se você não entendeu a brincadeira não se preocupe, a perspicácia e inteligência não são qualidades exigidas nesse novo veículo do Statham!
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.