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The Apprentice

3.5/5

The Apprentice

2024

120 minutos

3.5/5

Diretor: Ali Abassi

Quando circularam pela internet as primeiras imagens de Sebastian Stan caracterizado como o ex-presidente e empresário norte-americano Donald Trump, a maquiagem eficiente aliviou o temor quanto ao alcance dramático do intérprete do Soldado Invernal do universo Marvel para interpretar um papel ambicioso. Ainda que Eu, Tonya, Fresh e a minissérie Pam & Tommy capacitaram-no a viver personagens ambíguos e cruéis, e após a sua premiação no Festival de Berlim com o prêmio de Melhor Ator por A Different Man (um surto do júri que jamais compreenderei), Stan interpreta Trump a partir de meia dúzia de trejeitos sem jamais aprofundar-se quanto poderia.

O roteiro de Gabriel Sherman, que havia trabalhado uma personalidade controversa na minissérie A Voz Mais Forte – O Escândalo de Roger Ailes (com Russell Crowe), explora o começo da carreira de Donald Trump, cujo pai protecionista não o deixava tomar decisões na empresa familiar. Com o sonho de adquirir o Hotel Commodore, após a depressão econômica e epidemia de crimes em Nova York ter afrouxado a regulação municipal em busca do desejo de aquecimento público por investimentos privados, Trump conhece o advogado Roy Cohn (Jeremy Strong, anote aí, um sólido concorrente ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante). A relação entre Donald e Roy é a espinha dorsal do roteiro, que aborda o casamento com Ivana (Maria Bakalova), a relação com o pai (Martin Donovan) e o irmão depressivo (Charlie Carrick) e ainda a transformação do protagonista do empresário ambicioso mas impedido de voar pelo pai, em um bilionário insensível.

Ali Abbasi (de Holy Spider e Border) tem a boa decisão de não julgar o personagem, ainda que a cena inicial forme um paralelo com o pronunciamento do ex-presidente Richard Nixon, antes de renunciar em razão da revelação do escândalo Watergate. Ali Abbasi desconstrói a falácia do discurso de “self-made man”. O império de Trump é, sim, o fruto do trabalho de um homem visionário, contudo, isto não teria ocorrido caso o poder não houvesse puxado nos bastidores as cordas da Administração, por uma isenção multimilionária, ou para arquivar um processo de discriminação contra o pai de Trump após o promotor ser espionado e chantageado. Menos direto, ainda que compreensível, é o fato de que Trump aproveitou a eleição de Ronald Reagan e as medidas neoliberais que desregulamentaram a economia e retiraram subsídios.

A propósito, o recorte adotado no roteiro ajuda a narrativa a não parecer superficial. Pode até simplificar eventos, isto é inevitável, mas há a percepção da transformação gradativa do protagonista de um homem que parecia não pertencer onde poderosos confabulavam o destino da nação, num homem narcisista, seguro, maldoso, muitas vezes cruel e até mesmo humano, embora espane tal humanidade por considerá-la fraqueza. Para tanto, Abbasi aposta em recursos narrativos e visuais para ilustrar quem é esse personagem além da atuação de notas marcadas de Sebastian Stan: o desconforto com a paquera de Roy Cohn, atenuado após cada gole de vodka, o escorregão ao surpreender Ilana em Aspen, o desconhecimento da arte ao não reconhecer Andy Warhol, a sugestão de disfunção erétil pelo consumo exagerado de anfetaminas e os procedimentos estéticos, até instantes vis e cruéis, a assinatura do contrato pré-nupcial, a não recepção do irmã em sua casa ou um ato de violência contra a esposa.

A biografia não pretende ser o retrato factual do sujeito que aprendeu, com o pai e as regras de Roy, a ser um matador para não ser um perdedor. É tanto uma obra a respeito dele, quanto da cidade de Nova York naquele período específico do tempo, envelhecida através da ótima fotografia de Kasper Tuxen que reproduz a textura do vídeo naquela época, enquanto utiliza de forma comedida os cacoetes do cinema de Adam McKay, a exemplo da movimentação rápida de câmera de um personagem ao outro ou o zoom em direção ao rosto deles.

The Apprentice é um bom retrato de como ambição combinada com contatos no alto escalão, falta de escrúpulos e corrupção ajudaram a pavimentar o caminho para que a imobiliária da família fosse a empresa bilionária em que se tornou. E ainda, como os Estados Unidos, Nova York em particular, abraçou essa ideia cosmopolita e neoliberal de sucesso a qualquer preço, e quem melhor do que Donald Trump para ser o seu garoto da capa?

Crítica publicada durante a cobertura do 77º Festival de Cannes

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1 comentário em “The Apprentice”

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