Recorrendo a longos e embaraçosos monólogos para desvendar a personalidade dos personagens, Jean-Paul Belmondo é submetido à vexatória declaração de amor em frente à lareira ou ao desmedido escárnio no quarto de um hotel em Lyon, sintomas de que Truffaut desconhecia maneira adequada de demonstrar à obsessão de Louis. Incapaz de justificar de onde provém a fixação autofágica que consome seu herói (salvo, evidentemente, se julgar a beleza de Catherine Deneuve motivo suficiente), Truffaut apela para o maniqueísmo de um relacionamento passado – novamente apresentado de maneira expositiva e equivocada.
Por outro lado, Catherine Deneuve tem mais sucesso com sua personagem, apesar das oscilações que ela exibe na narrativa. Típico retrato de uma mulher oportunista apaixonada pela vítima de sua trapaça, a piegas declaração de amor gravada no vinil acidentalmente destruída traduz perfeitamente a sua índole. Apaixonada, entretanto cativa da avidez por dinheiro, seu relacionamento é constantemente sabotado seja por influência de terceiros (o misterioso Richard que, inteligentemente, é ocultado na narrativa) ou pelo acaso, uma tirinha da Branca de Neve parece acusá-la injustamente (ou não?).
A exuberante fotografia de Denys Clerval, similar a das tramas internacionais de Hitchcock, ressalta a beleza paradisíaca da ilha de Reunião e do sul da França contrastando com a secura dos interiores da mansão e da casa de veraneio. Assim, a fotografia estabelece um paralelo importante entre os trajes caros e automóvel de luxo com sua aridez emocional, o que o torna mais próximo do que imaginava do metódico sócio.
Longe de ser o thriller noir esperado de um autor como François Truffaut, uma história de amor emocionante, convincente e rebuscada ou pelo menos um filme de gênero, A Sereia do Mississipi revela a confusão que seria conciliar os gênios de Alfred Hitchcock, Jean Renoir e François Truffaut no mesmo filme.
Eles poderiam gerar boas discussões e férteis ideias, mas no final, a necessidade de sobrepor-se ao estilo do outro acabaria produzindo uma desfuncional criatura sem identidade e apelo.
* Esta crítica faz parte do Especial François Truffaut do Cinema com Crítica que continua na quarta, 8 de fevereiro, com O Garoto Selvagem (1970).
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
1 comentário em “A Sereia do Mississipi”
É realmente um filme estranho. Começa bem, mas desanda.
O Falcão Maltês