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Beijos Proibidos

Beijos Proibidos (Baisers Volés, 1968, França). Direção: François Truffaut. Roteiro: François Truffaut, Claude de Givray e Bernard Revon. Elenco: Jean-Pierre Léaud, Delphine Seyrig, Claude Jade, Michael Lonsdale, Harry-Max, André Falcon, Daniel Ceccaldi, Claire Duhamel. Duração: 90 minutos.

por Júlio Pereira


Certa vez, François Truffaut disse uma frase que define muito bem o espírito de muitos de seus filmes e da Nouvelle Vague como um todo: “Um filme idiota, mas energético, pode ser melhor cinema do que um filme inteligente e frouxo”. Independente das controvérsias da mesma, há de se admitir que capta a essência de Beijos Proibidos. Esclarecendo, pode não ser motivo de discussão intelectual entre os fãs do diretor, mas certamente é uma aula de cinema e, especificamente, de montagem – algo que desenvolverei mais a frente.
Escrito a seis mãos por Bernard Revon, Claude de Givray e o próprio Truffaut, o roteiro parte de um argumento aparentemente simples – que se desenvolve da mesma forma: Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) – alter-ego do cineasta francês, eternizado por sua cinebiografia, que conta com quatro longas-metragens e um curta (por ordem de lançamento: Os Incompreendidos, Antoine e Colette, Beijos Proibidos, Domicílio Conjugal e O Amor em Fuga) -, é um soldado raso que acaba de ser dispensado pelo exército e sem nenhuma recomendação (ausente em praticamente todas as missões para as quais fora enviado). De imediato, vai atrás de emprego e consegue um, num hotel. Devido a uma situação escandalosa, é despedido e em seguida se torna detetive.

Tudo isso é contado de forma extremamente apressada. Isso talvez distancie o espectador da obra, tendo em vista que os eventos são mal explicados e repentinos, apostando demais na vontade do público em embarcar no filme. Embora seja um aspecto negativo, o diretor revela o motivo de ser taxado como gênio: junto a Agnès Guillemot, montador usual do Godard, constrói uma narrativa tão ágil que praticamente não permite ao espectador questionar alguns fatos e coincidências que poderiam soar absurdos, tamanho o envolvimento proporcionado pela saga do personagem, e as várias informações lançadas a todo o momento. Preenchendo a mente da plateia, Truffaut pode desenvolver seu longa de forma fluída.
A montagem de Agnès é quase um personagem em Beijos Proibidos. Ditando o ritmo frenético necessário, remete ainda ao próprio Doinel – personagem de fala, andar e trejeitos muito rápidos. Exerce um papel fundamental também em momentos como a primeira conversa entre a esposa do dono da sapataria e ele, em que alternando a face de cada um de forma habilidosa, mostrando o rosto inibido, levemente assustado e absolutamente encantado do rapaz, e o da mulher, confiante e sedutor. Nessa sequência estabelece uma dinâmica entre idealizador e idealizada. Em outros momentos serve como construtor de humor, como na cena que uma funcionária ofende o então empregador de Antoine, e vemos o personagem rindo com a situação, sendo que o chefe dá de cara com ele – embora não veja a reação do mesmo em relação ao comentário da moça; o espectador se vê perante algo embaraçoso, rindo quase inevitavelmente. (Vale salientar o fato de que a montagem é um elemento fortíssimo no movimento dos jovens realizadores egressos da revista “Cahiers Du Cinéma”).
O humor, aliás, é um fator presente intensamente e determinante na película. Predominantemente leve e sutil, cria uma atmosfera agradabilíssima e encantadora – esta é a função narrativa da mesma, ou provavelmente se tornaria um artifício descartável. Além disso, garante boas gargalhadas, como no contraste de Doinel e uma mulher muito maior que ele; ele aprendendo inglês frente ao espelho, para impressionar uma mulher; o arranjado teste para funcionário de uma loja. É cômico também acompanhar o tanto que o detetive leva seu oficio a sério, ao passo que não é tão bom nele, o que pode ser conferido em diversos momentos, tais quais o que ele segue um mágico, se distraindo facilmente com uma confusão de rua, ou sua indiscrição ao seguir uma mulher.
Não nos enganemos, porém. Beijos Proibidos é um romance. O emblemático personagem, ao entrar em uma busca incessante por emprego, inconscientemente vai atrás de um amor também. Certa hora ele diz para sua amada que para haver amor tem de ter admiração, e, por não admirá-la mais, não a ama – o que, posteriormente, descobrimos não ser verdade. Talvez por isso tenha se empenhando no trabalho de detetive, já que esta é uma profissão altamente valorizada e estimada por muitos (ainda que vista com um olhar muito ficcional, desmitificado, em partes, pelo filme); seria uma forma de ganhar sua atenção e amor.
Embora um pouco desconhecida, a obra de Truffaut consegue encantar – e muito. E, por mais que seja sim, despretensioso, singelo e delicado, Beijos Proibidos, em seu desfecho, revela-se uma obra que, além de energético, é inteligente e até mesmo complexo, rendendo certamente debates e mais debates cinéfilos por aí!

Publicação gentilmente produzida por Júlio Pereira, comentarista do portal Lumi7, para o especial François Truffaut do Cinema com Crítica.
* Esta crítica faz parte do Especial François Truffaut do Cinema com Crítica que continua na segunda, 13 de fevereiro, com Domicílio Conjugal (1970).

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5 comentários em “Beijos Proibidos”

  1. O Júlio tem um texto impecável, a prova é nessa perfeita análise da obra de Truffaut.
    Não havia lido antes, parabéns e tb parabéns para o Márcio pelo especial François Truffaut é sempre importante revisitar as obras dos grandes gênios do cinema.
    No Ccine esse mês estamos homenageando Scorsese, depois passa lá.
    Abraço

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