(Área Q.), Estados Unidos/Brasil, 2011. Direção: Gerson Sanginitto. Roteiro: Gerson Sanginitto e Julia Câmara. Elenco: Isaiah Washington, Murilo Rosa, Tânia Khalil, Jordan Jones, Ricardo Conti. Duração: 108 minutos.
Apesar de dirigido, escrito e co-produzido por brasileiros, a desastrosa picaretagem Área Q não pode ser exclusivamente debitada na conta do cinema nacional. Pelo contrário, produção norte-americana de quinta categoria, algo que os créditos iniciais em inglês não deixam mentir, esta ficção-científica que “homenageia” as saudosas séries Além da Imaginação e Arquivo X encontrou nas terras tupiniquins o melancólico destino final de seu penoso amadorismo. Não poderia ser diferente, longe de qualquer apelo artístico ou comercial, Área Q satisfaz-se em explorar as locações cearenses, especificamente a cidade de Quixadá, e nomes da dramaturgia nacional menos populares para ludibriar os desavisados espectadores de que estão assistindo a um novo produto do prolífico cinema nacional e, no caminho, obter alguns trocados. Enganação, isso sim!
Escrito por Gerson Sanginitto e Julia Câmara, o roteiro apresenta eventos ocorridos em 1979 quando o humilde campesino João Batista (Rosa), após mais um dia de labor e ordenha de vacas, é supostamente abduzido por uma estranha força alienígena ou espírita, o que nunca repousa muito bem esclarecido. Cerca de 30 anos depois, nos Estados Unidos, o jornalista Thomas Matthews (Washigton, a versão menos famosa e talentosa do Denzel), cujo filho Peter (Jones) está desaparecido, possivelmente raptado por um pervertido sexual, é enviado para o Brasil para redigir uma história sobre os misteriosos contatos alienígenas na região. Lá, ele conhece Valquíria (Khalil), cética jornalista que enxerga nos fenômenos uma forma de publicidade para atrair turistas. Assim, entre aparições de João Batista nas matas nos arredores e a intensa luminosidade alaranjada que cobre a quente noite, Thomas descobrirá a resposta para o desaparecimento do filho nos eventos que testemunhará.
Bastam, porém, alguns minutos para o roteiro expor a sua estrutura esquemática na enfadonha abordagem de depoimentos, nos quais os desinteressantes habitantes da cidade narram fenômenos concomitantemente à ilustração visual do que acabamos de ouvir. Também não tarda para Thomas aproveitar o recurso e confessar a história de sua vida à Valquíria ou, especialmente, na entrevista que inaugura a narrativa, onde ele esclarece, para outra ávida repórter, os eventos que se sucederam em Quixadá. Mas, pior é constatar que os “mistérios” revelados parecem extraídos de embaraçosos contos de extraterrestres, com direito a abduções, curas milagrosas, mensagens apocalípticas do colapso da humanidade e a intervenção de uma força maior para restaurar o equilíbrio da humanidade, algo jamais ilustrado.
Entretanto, desde o gesto da cruz com que a esposa de João Batista despede-se dele na cena inicial, Área Q assume uma posição religiosa nos expositivos diálogos “Tenha fé em Deus” ou “Deus esqueceu de mim” e nos símbolos e imagens de santos no design de produção enfatizando, inclusive, a superstição dos habitantes locais. Sequer é preciso ser estudioso da Bíblia para identificar à alusão ao mensageiro João Batista (o que o roteiro frisa certo momento, como se não estivesse bastante claro) e a referência do nome composto de Thomas Matthews (Tomé e Mateus), este um dos evangelistas e aquele o discípulo que precisava ver para crer. Assim, a narrativa equilibra-se no desconfortável binômio ficção e espiritismo, ignorando explicações a respeito das abduções, do tempo decorrido nelas e a presença de uma nave espacial de formato esférico. Seriam alienígenas espíritos prestes a reencarnar? O que sucedeu a João Batista após seu desaparecimento, já que os demais retornaram ao convívio da sociedade e ele permanece enclausurado na mata?
Respostas, aliás, que o diretor e roteirista Gerson Sanginitto, na falta de justificação plausível, esquiva-se de forma deselegante. Mais interessado em dirigir um autêntico filme B, Gerson abusa dos closes nos rostos assustados e olhos esbugalhados de Isaiah Washington e, em menor grau, Murilo Rosa, surpreendidos pelo vento, a movimentação e os sons diegéticos dos animais! E, se este é um sintoma de que o diretor assistira demasiadamente a Fim dos Tempos (aquela bomba de M. Night Shyamalan), é prova também da ausência de um instante de tensão sequer nas repetitivas vezes em que Thomas se vê “encurralado” pela imagem de um imponente morro.
Denunciando um penoso amadorismo na direção dos atores, nos enquadramentos, na mise-en-scène e no (mau) uso da canastrona trilha sonora de Perry La Marca, George Sanginitto repetidamente constrange o espectador, como no instante em que o traumatizado protagonista aborda um suposto pervertido no parque. Avesso a sutilezas, o diretor não hesita nos planos-detalhe de um porta-retratos com a foto de Peter ou de uma doação ao fundo da criança desamparada que transformam o protagonista no messias das crianças carentes (o que explica os 100 reais de gorjeta a um jovem engraxate).
Incapaz de disfarçar as atuações medíocres e desinteressantes, a narrativa exagera no regionalismo forçado de homens como o guia e intérprete Eliosvaldo (Conti), investindo em gírias características, mas dificilmente usadas nas situações empregadas. Preguiçoso e ineficiente também nas traduções de português para o inglês (e vice-versa), eu me questiono o porquê do roteiro não ter reescrito o protagonista como um homem que compreendesse minimamente o português, o que atenuaria a repetitividade dos testemunhos dos moradores.
Apresentando a incômoda fotografia digital de grão grosso e cheia de ruídos de Carina Sanginitto e efeitos especiais ruins e embaraçosos, Área Q ainda afirma, determinado momento, que “o tempo é apenas uma questão de percepção“. Uma pena, portanto, que para o público esta percepção será mais longa do que o suportável!
Termômetro do Kritz:
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
5 comentários em “Área Q”
Olá, sei que todo crítico tem que buscar a fundo o que pode ser criticado paois assim nao seria crítica porem notei que o amigo foi potente em malhar o filme. sem entrar n omérito de que o filme seja bom ou ruim, eu pessoalmente achei algo já por demais explorado,porem noto que o amigo não tem a mesma sanha em malhar p´roduções que aparecem por aí pra catar uma grana e nem assim levam essa bordoada tão severa
Alimente a discussão e participe com comentários, elogios, críticas e sugestão. A colaboração sempre é bem vinda. Diz aqui em baixo ,Pra que? o critico do site já sabe de tudo e bateu o martelo,não tem discussão,o sabe tudo, decretou é ruim! Eu acho que ele nunca ligou a tv na vida ! as novela de todos os canais os filmes que eles passam são bem pior que esse filme !
Com 71 palavras você conseguiu apenas opinar que as novelas e os filmes televisivos são piores que Área Q e "tentar" me ofender. Por outro lado, eu busquei nas 876 palavras redigidas justificar porque eu não gostei dessa bomba, sem bater o martelo, pois uma crítica é uma opinião pessoal não verdade absoluta. Se você conseguisse argumentar a favor consistentemente, quem sabe poderíamos continuar esse diálogo.
Já repararam que quando um crítico diz que um filme é ruim, ele é bom, e quando ele adora, o filme é uma b&$#@ ?
mintira o filme foi otimo