Tendo como protagonista Barnabas Collins (Depp), vampiro secular cuja origem remonta à Inglaterra em 1760, segundo apresentado no extenso prólogo, o roteiro de Seth Grahame-Smith baseia-se na série televisiva homônima sessentista e desperta (ou liberta) Barnabas em 1972 para retornar à mansão onde fora amaldiçoado com a vida eterna. Ardoroso defensor de estreitos laços familiares (seu pai o ensinara que “família é a única riqueza real“), o vampiro descobre que o que restara de sua família se resume a seres unidimensionais e desunidos encabeçados por Elizabeth (Pfeiffer) e Roger (Miller). Há também a psiquiatra Julia (Carter), o divertido caseiro Willie (Haley) e Victoria (Heathcote), recém admitida para ser tutora de David (McGrath, no modo O Sexto Sentido) e em cujo semblante Barnabas redescobre o grande amor do seu passado: Josette. Enfim, o anti-herói reencontra a bruxa Angelique (Green), que no passado matou a sua família e amada, e agora é uma rica empresária do setor pesqueiro ainda obcecada platonicamente.
Estruturado sobre dois conceitos batidos, a família desfuncional e a readaptação de alguém do passado nos tempos “modernos”, a narrativa gótica retrô acerta no humor na mesma medida que falha miseravelmente. Se a presença do slogan do McDonald’s é um inspirado product placement e as gags dos acordes graves do piano ou da busca de Barnabas por um local para dormir acertam em cheio, já os hippies ao redor da fogueira e a sequência de sexo literalmente subindo pelas paredes são desinteressantes e óbvias. O subtema romântico, por sua vez, é mal desenvolvido e não há praticamente envolvimento entre Barnabas e Vicky ou entre ele e Josette, e assim, ao vê-los de mãos dadas caminhando, não pude deixar de conter minha surpresa já que eles nem bem tinham conversado na primeira vez.
Já visualmente, Tim Burton age na sua zona de expertise, recriando uma atmosfera macabra embaçada em névoas ocasionais e no tom desbotado e enegrecido da fotografia de Bruno Delbonnel, mas com raros e felizes instantes de cores intensas (o depósito) e a óbvia predominância do tom vermelho (sobretudo, o exuberante vestido de Angelique). Já a direção de arte de Rick Heinrichs seguramente transforma a mansão Colinwood em um coadjuvante mais intrigante que o resto da família, na concepção vitoriana e passagens secretas e no cavalo-marinho posando de gárgula e grilhão da porta. Finalmente, a boa maquiagem destaca o osso do rosto de Barnabas e investe em orelhas pontiagudas e próteses nas unhas, o transformando na clássica representação vampírica. E como não aplaudir uma verdadeira boneca de porcelana no instante em que uma lágrima escorre sutilmente pela rachadura no seu rosto?
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
2 comentários em “Sombras da Noite”
Tim Burton erra a mão aqui, numa obra irregular apenas – e que aparentemente não agradou nem os fãs da dupla Burton-Depp, tendo em vista a sua média no Filmow. Não duvido que vá direto pra Sessão da Tarde nos próximos anos.
Há muito tempo Tim Burton não é mais o mesmo. Ao invés de amadurecer ele tem regredido.