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Sombras da Noite

Dark Shadows, Estados Unidos, 2012. Direção: Tim Burton. Roteiro: Seth Grahame-Smith baseado na série de televisão criada por Dan Curtis. Elenco: Johnny Depp, Michelle Pfeiffer, Helena Bonham Carter, Eva Green, Jackie Earle Haley, Johnny Lee Miller, Bella Heathcote, Chloe Grace Moretz, Gulliver McGrath e Christopher Lee. Duração: 113 minutos.

Ao longo dos anos, Tim Burton tem provado incontestavelmente ser um diretor que em nada amadureceu desde seu primeiro sucesso (Os Fantasmas se Divertem) a última bobagem (Alice no País das Maravilhas). Escravo de sua estética apurada e invejável, Burton repetidamente tem preterido o conteúdo pelo estilo, dedicando-se a figurinos, maquiagens e conceitos excêntricos que, apesar de não menos do que fascinantes, tornam acessórias e irrelevantes as figuras de carne e osso que os acompanham. Não ao acaso, o seu melhor trabalho recente foi justamente um filme que tinha muito pouco disto, Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas. Desta forma, duvido que mesmo os mais ardorosos fãs do cineasta conseguirão acumular argumentos para defender este Sombras da Noite, razoável novo trabalho do diretor despido de vida igual a seus monstruosos protagonistas.

Tendo como protagonista Barnabas Collins (Depp), vampiro secular cuja origem remonta à Inglaterra em 1760, segundo apresentado no extenso prólogo, o roteiro de Seth Grahame-Smith baseia-se na série televisiva homônima sessentista e desperta (ou liberta) Barnabas em 1972 para retornar à mansão onde fora amaldiçoado com a vida eterna. Ardoroso defensor de estreitos laços familiares (seu pai o ensinara que família é a única riqueza real“), o vampiro descobre que o que restara de sua família se resume a seres unidimensionais e desunidos encabeçados por Elizabeth (Pfeiffer) e Roger (Miller). Há também a psiquiatra Julia (Carter), o divertido caseiro Willie (Haley) e Victoria (Heathcote), recém admitida para ser tutora de David (McGrath, no modo O Sexto Sentido) e em cujo semblante Barnabas redescobre o grande amor do seu passado: Josette. Enfim, o anti-herói reencontra a bruxa Angelique (Green), que no passado matou a sua família e amada, e agora é uma rica empresária do setor pesqueiro ainda obcecada platonicamente.

Estruturado sobre dois conceitos batidos, a família desfuncional e a readaptação de alguém do passado nos tempos “modernos”, a narrativa gótica retrô acerta no humor na mesma medida que falha miseravelmente. Se a presença do slogan do McDonald’s é um inspirado product placement e as gags dos acordes graves do piano ou da busca de Barnabas por um local para dormir acertam em cheio, já os hippies ao redor da fogueira e a sequência de sexo literalmente subindo pelas paredes são desinteressantes e óbvias. O subtema romântico, por sua vez, é mal desenvolvido e  não há praticamente envolvimento entre Barnabas e Vicky ou entre ele e Josette, e assim, ao vê-los de mãos dadas caminhando, não pude deixar de conter minha surpresa já que eles nem bem tinham conversado na primeira vez.

Esta displicência de Tim Burton é recorrente na narrativa e, embora reconheçamos rostos famosos, não há envolvimento com apáticos coadjuvantes de luxo que desaparecem e ressurgem preguiçosamente apenas no intuito de gravitar ao redor do magnético Barnabas. Assim, Julia é somente uma peruca ruiva encarando a assustadora velhice, Carolyn uma aborrecente franzindo o cenho depois de qualquer argumento, Roger um patético ladrão que sequer balbucia algo interessante e Elizabeth o resquício de cola daquela família, todos caricaturas cujos propósitos pontuais e infantis podem ser descartados de imediato. Restam só Barnabas e Angelique, devorando a tela seja pela composição, de praxe exagerada, de Johnny Depp ou pelo incisivo e penetrante olhar da maquiavélica Eva Green. 

Porém, independentemente da bruxa ser uma personagem interessante, atormentada por um amor que não será seu, este é, de novo, um filme de Johnny Depp cuja composição mescla Sweeney Todd Michael Jackson (ao menos sugere seu figurino nas tomadas externas). De dicção eloquente e pausada e vocabulário rebuscado, o elegante vampiro não suja a boca ao beber sangue (clichê que acomete os sanguessugas no cinemae imprime um ar entristecido, ressentido da prisão de existência eterna e dependência violenta de sangue. Mas, Barnabas não é apenas trágico e nas vezes que se vê atingido por raios solares e na realista constatação ao ser aprisionado pela segunda vez num caixão, Depp justifica a adoração de seus fãs por seus atípicos e inconvencionais personagens.

Já visualmente, Tim Burton age na sua zona de expertise, recriando uma atmosfera macabra embaçada em névoas ocasionais e no tom desbotado e enegrecido da fotografia de Bruno Delbonnel, mas com raros e felizes instantes de cores intensas (o depósito) e a óbvia predominância do tom vermelho (sobretudo, o exuberante vestido de Angelique). Já a direção de arte de Rick Heinrichs seguramente transforma a mansão Colinwood em um coadjuvante mais intrigante que o resto da família, na concepção vitoriana e passagens secretas e no cavalo-marinho posando de gárgula e grilhão da porta. Finalmente, a boa maquiagem destaca o osso do rosto de Barnabas e investe em orelhas pontiagudas e próteses nas unhas, o transformando na clássica representação vampírica. E como não aplaudir uma verdadeira boneca de porcelana no instante em que uma lágrima escorre sutilmente pela rachadura no seu rosto?

Apresentando um desnecessariamente extenso clímax (recordou-me A Casa Mal Assombrada) e uma trilha sonora descaradamente reciclada por Danny Elfman, Sombras da Noite deveria ser mais homogêneo e dedicar-se ao restante do elenco e, quem sabe, o gancho deixado para uma sequência seria acompanhado de um largo sorriso ao invés de um desanimado suspiro.

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2 comentários em “Sombras da Noite”

  1. Tim Burton erra a mão aqui, numa obra irregular apenas – e que aparentemente não agradou nem os fãs da dupla Burton-Depp, tendo em vista a sua média no Filmow. Não duvido que vá direto pra Sessão da Tarde nos próximos anos.

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