Aproveitando a primeira metade para construir a personalidade de Peter , Marc Webb é sensível em ilustrar a amargurada existência do jovem no meio do caloroso lar e os lampejos de alegria, como aquele após o olhar sobre o ombro de Gwen, parecem momentaneamente capazes de suprimir o vazio sentido. Por outro lado, a direção é desastrada no surgimento do Homem-Aranha: subitamente Peter costura o uniforme, adapta os lançadores de teia (a opção destas serem orgânicas, embora infiel aos quadrinhos, fazia mais sentido) e domina as habilidades de se dependurar nos prédios, escalar paredes e lutar de forma graciosa e irritando os adversários. Tudo isto ocorre bruscamente, mesmo que a extensa duração permitisse ao cineasta se esforçar mais e evitar soluções preguiçosas e, num certo momento, ninguém mais estranha a mudança no comportamento de Peter e seus machucados frequentes.
De forma similar, ao mergulhar na obrigatória ação, a narrativa também alterna altos e baixos. A câmera acompanha incessantemente os movimentos do Homem-Aranha subindo pelas paredes, esgueirando-se por estreitas aberturas e se balançando por entre prédios, as lutas têm energia e bom humor suficiente para se sustentarem e a ênfase pontual no terror é oportuna. Contudo, o excessivo desleixo com a identidade secreta do herói e o óbvio desenrolar dos planos do Lagarto (um dispositivo é apresentado no meio da narrativa apenas para isto) sequer disfarçam a falta de inventividade do roteiro: além de sugerir o exército reptiliano jamais utilizado, ele, deselegantemente, pega emprestado sequências inteiras, como a destruição do banheiro fruto do descontrole da superforça (nem a boa gag do teclado do computador exime este grosseiro copiar-e-colar).
Entretanto, o elemento humano prepondera no saldo final positivo: Andrew Garfield é convincente no papel-título, apresentando um jovem calejado que poderíamos tomar por nosso vizinho. Mas, embora ele tenha que carregar a responsabilidade da narrativa, é Emma Stone quem se destaca e Gwen Stacy transborda de carisma e energia logo que surge em cena, tornando fácil se apaixonar por esta geek de olhos grandes e sorriso encantador. Por sua vez, Rhys Ifans (lembra-se dele como o amigo estranho de Hugh Grant em Um Lugar Chamado Notting Hill?) transforma Curtis Connors em um cientista bem intencionado e ético que, assim que é transformado no Lagarto, sucumbe a um complexo de Dr. Jekyll e Mr. Hide. O resto do elenco composto de atores conhecidos, como Martin Sheen, Sally Field e Denis Leary, está correto e tem bons momentos. Aliás, observe o sinal dos tempos : até Flash, interpretado por Chris Zylka, que poderia ser apenas um brucutu unidimensional, é apropriadamente humanizado em um instante de sensibilidade.
Com uma linguagem narrativa padrão, a montagem é eficiente na elipse encerrada no reflexo de Peter Parker e no raccord da torre Oscorp que salta da tela do computador à imponência no centro da cidade. Já a direção de arte enfatiza, as vezes exageradamente, a genialidade do herói: o pôster de Einstein divide espaço no apertado quarto com um cubo mágico resolvido e a trava da porta eletronicamente desenvolvida. Por sua vez, o laboratório da Oscorp revela-se impessoal, mas funcional, diferindo do escritório de Curtis Connors, mais humano, apesar da dimensão monstruosa que este viria a assumir.
Deixando portas abertas para a anunciada trilogia (espere a sequência durante os créditos finais), Marc Webb é covarde ao ensaiar a quebra de uma promessa logo após esta ser realizada e recorde a ousadia de Sam Raimi que evitou derrapar no mesmo quesito no seu Homem-Aranha . E, se até aqui consegui evitar comparações, não posso deixar de destacar que O Espetacular Homem-Aranha perde para o irmão mais velho, embora a perspectiva de novas aventuras do aracnídeo não mais na colorida Nova York, mas nessaa claustrofóbica selva urbana, seja interessante e empolgante.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
19 comentários em “O Espetacular Homem-Aranha”
Eu quero muito assistir a esse filme! Quero mesmo, mas não tô a fim de enfrentar as filas imensas para assistir esse filme!
O Espetacular Homem-Aranha foi, pra mim, uma verdadeira decepção. Nossos textos tem muito em comum – embora discordemos pontualmente (e isto ficará evidente se ler o que escrevi). Infelizmente, não achei espaço para comentar essa falha realmente brusca da não efetivação do exército de lagartos – o que seria muito interessante, por sinal. Na verdade, espero que tirem Marc Webb da direção. CAMPANHA: VOLTA SAM RAIMI!
Bacana tu não se prender nas associações de forma gritante, Márcio. As vezes, nem eu consigo fazer isso (algo que fiz quando avaliei X-men: first class). Acho que sem o de Raimi como parâmetro, o de Webb é um belo filme, tem suas falhas, mas é um belo filme. A química entre os dois protagonistas, a relação deles e os atores são muito bons. Já é de aplaudir o fato de Gwen não ser uma "vagabunda interesseira" (perdoem o palavreado), como geralmente esse tipo de personagem é tratada em filmes de herói.
Abração!
Começo a ficar curioso em relação ao filme, à medida que leio críticas como a sua, sóbrias, que destacam tanto os lados positivos quanto negativos do filme. Reconheço os problemas que a trilogia anterior teve, inclusive o desastre que foi o terceiro filme, no entanto ela já bastava por si só como narrativa do nascimento do personagem. O primeiro filme de Sam Raimi foi sem dúvidas um marco e o segundo é na minha opinião um dos melhores do gênero (só perdendo para "Batman o Cavaleiro das Trevas") e é por isso que não vejo um porquê que embase a decisão de se fazer este reboot. Conferirei, quando possível, mas apenas por desencargo de consciência…
Os filmes de Sam Raimi são um LIXO pois mataram tudo que havia de cativante no Peter Parker. Todo o senso de humor, toda a genialidade do protagonista simplesmente inexiste nesses três filmes! Peter não é só um garoto que foi picado por uma aranha e ganhou poderes. Ganhar poderes temos mil heróis por ai ganhando. O que o torna único é o seu senso de humor, sua inventividade, seu gênio indomado! Nos quadrinhos a genialidade de Peter não deixa nada a dever a de Tony Stark por exemplo.
Além disso o Homem-Aranha é o único herói que se ferra de verdade, que leva ferro, se machuca e que as coisas de fato dão errado. Nos filmes de Sam nada disso acontece! Temos um herói mascarado perfeitinho! Que não tira sarro dos inimigos, que não cria seus lançadores de teia, que não erra num salto e dá de cara com um ônibus!
O filme do Sam Raimi pode ser um ótimo filme sobre um super heroi qualquer mas é bem distante da personalidade cativante que tornou o cabeça-de-teia o herói mais querido da Marvel!
Felizmente vi na terça 🙂
Duvido muito que ele volte, Júlio.
Seria injustiça minha ater-me à comparação estrita apenas. Mas não concordo que seja um belo filme. É razoável.
Concordo que seja redundante o novo filme. Concordo que Homem-Aranha 2 é um marco do cinema de super-herói. Concordo com tantas coisas rs.
Não concordo completamente Lucas. Bem, no cinema é muito mais crível que o Homem-Aranha tivesse teias orgânicas do que usar lançadores de teia que exigiriam preciosos minutos que poderia ser investidos no desenvolvimento do personagem.
Afora esse detalhe, o Homem-Aranha do Sam Raimi apanha pra caramba, tem problemas financeiros (o do Marc Webb não tem), encara uma depressão, precisa praticar bastante para ter pleno domínio dos seus poderes (novamente, o que o do Marc Webb não precisa), cria seu próprio uniforme, precisa espremer 7 dólares para pagar um lanche para a namorada Mary Jane, tudo isso. Mais humano impossível Lucas.
Até que o senso de humor ficou devendo, mais principalmente no primeiro filme do que no segundo do Dr. Octopus, mas em resumo o do Sam Raimi é bem completo e redondo como estudo de personagem.
Cara, acho esse argumento péssimo. Dizer que o filme é ruim simplesmente por ser diferente do material original. Assim como eu não acho que ser mais fiel ao original automaticamente torna o filme bom. Já é mais do que hora do pessoal aprender a separar as coisas. Adoro os quadrinhos do Homem-Aranha e também adoro os dois primeiros filmes do Sam Raimi. Ainda não vi O Espetacular Homem-Aranha então me abstenho de qualquer comparação.
Perfeito Felipe.
Ainda não assisti o novo filme do Homem-Aranha, mas já esperava que ele não seria espetacular.
Visite também:
http://peliculacriativa.blogspot.com.br/
Vou aguardar a sua crítica dele 🙂
Confesso que sou fâ da franquia, mas o terceiro filme deixou um pouco a desejar, em comparação aos dois primeiros, que para mim foram um dos melhores filmes de super héroi. Tenho a impressão que o filme será muito bom, e próxima semana o verei com certeza.
Ótimo texto!
Visite:
mateus-leite.blogspot.com
Expectativas são injustas com qualquer filme, Mateus. Quando tiver assistido, comente o que achou 🙂
Adorei o filme, e o Andrew Garfield é 10x mais Homem Aranha que o Tobey Maguire.
Sua troll! 🙂
Pensei que seria legal.