Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

50 Anos | Mais do cinema norte-americano

Doce Pássaro da Juventude (Sweet Bird of Youth) – Direção: Richard Brooks

A nova colaboração entre o diretor Richard Brooks e Paul Newman a partir de uma peça de Tennessee Williams depois do excelente Gata em Teto de Zinco Quente, pode até ser um degrau menos envolvente do que este, mas ainda é um interessante exercício de associação entre a traiçoeira fábrica de celebridades de Hollywood e o sistema político-eleitoral norte-americano, além de contar com personagens interesseiros e cínicos que fazem a diferença em uma história romântica que facilmente poderia ser piegas se caísse nas mãos erradas.

O roteiro adaptado por Brooks acompanha o retorno de Chance Wayne (Newman) à Flórida, cidade da qual fugiu desde jovem, acompanhado da decadente e entorpecida estrela de cinema Alexandra Del Lago (Geraldine Page), na esperança de chantageá-la e conseguir um contrato com algum estúdio. A volta à casa coincide com a reta final da campanha para a prefeitura na qual “Boss” Finley (Ed Begley, vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante) está concorrendo contra um adversário comunista, como ele gosta de afirmar. “Boss” também é o pai de Heavenly (Shirley Knight), o amor da vida de Chance, mas abandonada após a amigável sugestão do brigão Thomas Finley (Rip Torn).

Embora pareça um novelão mexicano, a narrativa constrói personagens repletos de nuances e que ninguém caracterizaria facilmente como mocinhos: Chance não hesita de chantagear Alexandra, apesar de não ter a malícia necessária para seguir adiante no seu plano, e se revela um sujeito indeciso e cuja insegurança acaba sendo o que o afasta do sucesso que busca e do seu amor; por sua vez, aos poucos se descobre que Heavenly não é a moça casta que a narrativa previa e, mesmo que ela seja a menos corrupta, é fácil ver como ela aceitaria curvar a cabeça às ordens do pai se Chance não houvesse retornado. Mas ainda que o casal romântico esteja bem, é Geraldine Page quem rouba o filme para si na construção de uma celebridade que entende que a sua idade a está afastando do glamour e flashes das reportagens, porém é oportunista o bastante para usar o peso do seu histórico para conseguir o que quer.

Estendendo-se durante o curto espaço de um dia e apresentando diálogos sofisticados lapidados sob o crivo rigoroso de um mestre, sobretudo aqueles entusiasticamente pronunciados por “Boss” Finley enquanto afrouxa os seus suspensórios e as sarcásticas tiradas de Chance Wayne, Doce Pássaro da Juventude é, assim como Alexandra Del Lago, um monstro legal.

Freud – Além da Alma (Freud) – Direção: John Huston

Se no recente Um Método Perigoso, encontrávamos um Freud convicto do método da psicanálise e da controversa teoria da sexualidade, quase 50 anos atrás o lendário cineasta John Huston apresentou a história dos primeiros anos de sua carreira e a árdua tarefa de desenvolver a sua personalidade científica questionadora em um meio profissional rígido, imaleável e de soluções prontas e reducionistas. Portanto, é gratificante o esforço intelectual de estabelecer a ponte entre o Freud e as duas fases de sua vida, interpretados nelas por Montgomery Clift e Viggo Mortensen, e preencher as lacunas que o tornaram um dos homens mais brilhantes da história da humanidade.

Dedicado a lançar a luz naquilo que permanece oculto, ou seja, o subconsciente que os médicos de outrora não ousavam penetrar, Sigmund Freud abraçou métodos anteriormente condenados, como a hipnose, para tratar os seus pacientes e os sentimentos reprimidos que nenhum deles conseguia expor em uma consulta convencional. Seu objetivo era curar doenças cujos sintomas (paralisa, cegueira) manifestavam-se em pacientes clinicamente saudáveis, mas que tinham algum trauma que o levava a afirmar a existência de doenças mentais. Porém, só quando assumiu a paciente de seu mentor Dr. Breuer (Larry Parks), a histérica Cecily Koertner (Susannah York), é que Freud teve uma ideia clara do que repousava diante de si.

Usando as fartas sombras da fotografia em preto e branco de Douglas Slocombe para estabelecer o nível de obscuridade em que se encontrava a medicina naquele período, John Huston de pouco em pouco revela as encruzilhadas, dúvidas e descobertas que se colocaram diante de Freud antes que ele formulasse a sua teoria mais conhecida. Se aos poucos ele descobre a prescindibilidade da hipnose na terapia, usando ao invés dela a dialética dos sonhos para esclarecer os símbolos na vida dos pacientes, ele também encontra o posicionamento ideal para o seu tratamento culminando na clássica posição da psicanálise em que o médico senta-se detrás do paciente, distante do seu campo de visão. Mas é o desenvolvimento da teoria sexual que suscita maiores dúvidas: tentando desde cedo relacionar todos os traumas psíquicos à componente erótica, Freud deparou-se com um muro, a princípio intransponível, em que a sexualidade retrocederia tão logo a criança nascesse. E o caminho percorrido por Freud até a icônica palestra diante de colegas ultrajados é um dos mais recompensadores que o ano de 1962 me proporcionou, ainda que facilmente antecipado para quem já entrou em contato com o que o nobre mestre ensinou.

Enquanto isso, Montgomery Clift tem uma atuação complexa, dividido entre o temor de ser rejeitado, o que o impele a retroceder ao conservador ceticismo, e a empolgação da sua descoberta, beneficiada pela aplicação em si próprio do método pensado. E se no longa de David Cronenberg Freud já era uma lenda viva, neste ele ainda engatinhava rumo ao status de homens como Copérnico e Darwin, o que torna a sua trajetória mais humana e gratificante.

Vendedor de Ilusões (The Music Man) – Direção: Morton DaCosta

Indicado ao Oscar de melhor filme, o roteiro de Vendedor de Ilusões conta a história de Harold Hill, um vigarista que ao longo dos anos tem vivido de pequenos golpes aplicados em cidadezinhas do interior passando-se por maestro. Ao chegar em River City, ele reencontra o antigo amigo de trambiques Marcellus e orquestra pela enésima vez seu plano para ganhar uns trocados. Mas as coisas começam a dar errado no instante em que ele se apaixona pela bibliotecária durona e solteirona Marian e ao ser perseguido pelo prefeito e os seus homens, que exigem a todo momento a licença para lecionar, mas terminam trapaceados cantando alguma canção.

Pairando muitos palmos acima da realidade, este musical clássico não disfarça a sua origem teatral e a do diretor Morton DaCosta, que só dirigiu três filmes na carreira, em coreografias que se estendem além do necessário e que não contribuem decisivamente para o desenrolar da narrativa, servindo mais como apêndices cantados (nesse sentido ao menos, todos bem cantados por Shirley Jones, Robert Preston e o grupo The Buffalo Bills). Mas a realidade, ou a sua completa ausência, prejudica a doce previsibilidade de uma fábula que investe no famoso clichê do casal que se odeia, porém se ama, e dos cidadãos que abraçam a primeira oportunidade para serem iludidos e ludibriados por um protagonista falastrão, galanteador e envolvente vivido por Robert Preston.4

Ainda assim, Vendedor de Ilusões é exatamente o que afirma o título nacional: uma grande ilusão desde os cenários totalmente construídos em estúdio ao inofensivo charme que acaba sendo o que conquista o espectador no final das contas. As vezes é bom escapar da carga intensa em um trabalho mais simples e suave; entretanto talvez ele pudesse ser mais enxuto (a duração supera 150 minutos), mais verossímil e menos repetitivo. Quem sabe dessa forma, o produto final resplandecesse bem mais do que os polidos uniformes do Sr. Harold Hill.

Esta crítica integra o especial do Cinema com Crítica que celebra o aniversário de clássicos que completaram 50 anos de idade. Na próxima edição, a penúltima publicação com a crítica de O Processo

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