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50 Anos | O Pagador de Promessas

O Pagador de Promessas | Brasil | 1962 | Direção: Anselmo Duarte | Roteiro: Anselmo Duarte baseado no romance de Dias Gomes | Elenco: Leonardo Villar, Glória Menezes, Dionísio Azevedo, Geraldo Del Rey, Othon Bastos, Roberto Ferreira, Norma Bengell, Antonio Pitanga, Milton Gaucho | Duração: 1h38min

Vencedor da Palma de Ouro no festival de Cannes de 1962 além de ter sido indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro no ano seguinte, O Pagador de Promessas até parece um trabalho simplório quando analisado grosseiramente, entretanto dentre a sua história relativamente modesta se encontram camadas mais complexas envolvendo críticas à intolerância religiosa e ao autoritarismo do poder público e da polícia e uma sátira divertida e pertinente acerca da fabricação de notícias pela imprensa. Baseado na obra de Dias Gomes, o roteiro segue a peregrinação do pacato e humilde Zé do Burro (Leonardo Villar) que, debaixo de sol quente e chuva, com bolhas nos pés e acompanhado pela esposa Rosa (Glória Menezes), caminha 7 léguas carregando uma cruz nos ombros tão pesada quanto a de Jesus para se prostrar em frente ao altar da igreja de Santa Bárbara em Salvador e agradecer por uma graça alcançada.

Esta se refere à salvação de Nicolau, o seu burrinho de estimação e melhor amigo que fora atingido gravemente na cabeça durante uma tempestade. À princípio, Zé do Burro é motivo de chacota na cidade e provoca a indignação do pároco Olavo (Dionísio Azevedo) ao repetir praticamente a paixão de Cristo só para salvar um burro. A situação piora quando Olavo descobre que a promessa fora feita em um terreiro de candomblé e impede terminantemente a entrada de Zé na igreja, mesmo após as suas súplicas. Mas, à medida em que a negativa do padre torna-se mais acintosa, a comoção popular e o envolvimento da imprensa agitam a situação que toma proporções incompreensíveis aos ingênuos olhos do devoto (“parece que tão vendo as coisas o contrário do que são“).

Mas a história não se restringe apenas ao drama de Zé do Burro como também à tentação de Rosa aos avanços do cafajeste apelidado de Bonitão (Geraldo Del Rey). Sem-vergonha e inescrupuloso, o sujeito gaba-se de ter feito certo dia uma promessa para ficar com uma mulher casada, a qual não cumpriu só para não comprometer Santo Antônio. Assim, e mesmo sendo Rosa casada, Bonitão não encontra muitas dificuldades para ter o que quer debochando ainda do marido traído sentado nas escadarias. Algo que somente ratifica o louvável comprometimento de Zé e a sua ingenuidade, enxergando nos muitos obstáculos que surgem o desígnio da Santa de tornar mais árduo o cumprimento da promessa. A sua reverência à cruz e ao burrinho Nicolau, cuja presença é sentida através da voz tenra no relato ao pároco, e a obstinação em cumprir a sua promessa diante de uma situação que fugiu do seu controle o tornam um personagem iminentemente trágico, mesmo porque ele sequer entende a proporção que aquilo tem tomado.

Para retratar a balbúrdia em que se transforma a escadaria da igreja e a inquietação crescente do protagonista, o diretor Anselmo Duarte investe na alternância de planos abertos da multidão e fechados no semblante cerrado e desolado de Zé. A profusão de personagens também contribui para a confusão, dentre eles: o repórter do jornal local interpretado por Othon Bastos que tentará convencer o Padre a permitir a entrada da cruz; um poeta de rua que se compromete em escrever um livro a respeito da situação; um guarda municipal que não sabe exatamente como agir; o conselho episcopal buscando uma solução satisfatória e equilibrada entre o ponto de vista religioso e político (binômio perigoso que vem assumindo proporções temerárias nos dias de hoje com o fortalecimento da bancada evangélica no Congresso); e muitos outros com interesses particulares, como o dono da mercearia do outro lado da rua, e inclusive doentes e aleijados que pedem a Zé para curá-los.

Ao mesmo tempo em que consegue pintar um retrato atemporal de sociedades ávidas em conferir contexto político até a uma das manifestações menos políticas de todas, a religiosa, desvirtuando as manchetes para sustentar o editorial do jornal (grandes revistas têm feito isso muito bem), O Pagador de Promessas também é o triste retrato de como a insensibilidade religiosa e o preconceito a cultos distintos pode sugar toda a força de vontade de um homem bondoso que somente vinha agradecer pelo dom da vida.

E daí que essa fosse a de um burrinho? Cada um carrega a cruz que quer e essa foi a escolhida por Zé do Burro. Infelizmente, porém, rumo ao seu calvário.

Com isso termino o especial que homenageia grandes filmes que comemoraram 50 anos de idade. Agradeço a participação e colaboração de todos os que nos prestigiaram e retorno com o especial no próximo ano, dessa vez mais organizado e com outros grandes filmes, agora de 1963.

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2 comentários em “50 Anos | O Pagador de Promessas”

  1. Ótima crítica, Marcio!
    Assisti a "O Pagador de Promessas" pela primeira vez há pouco tempo. Claro que o ódio e a revolta te acomete diante de tanto egoísmo e desvirtuamentos de valores presentes no filme, mas o sentimento mais forte foi mesmo o de tristeza em observar que tudo aquilo mostrado na fita pode ser reciclado para os dias atuais. Tudo. O abuso da imprensa, as questões religiosas… é lamentar a decadência ou estagnação de uma sociedade presa ao primitivismo, que parece rejeitar a evolução.

    Como você coloca com propriedade, é um filme atemporal e absurdamente brilhante. Um dos melhores da nossa cinematografia.

    Abraço!

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