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Crítica | Hotel Transilvânia

Hotel Transylvania | 2012 | Estados Unidos | Direção: Genndy Tartakovsky | Roteiro: Peter Baynham e Robert Smigel | Vozes da versão original: Adam Sandler, Kevin James, Andy Samberg, Selena Gomez, Fran Drescher, Steve Buscemi, Molly Shannon, David Spade, Jon Lovitz | Duração: 1h31min.

Para cumprir a promessa feita à esposa antes dela morrer, o conde Drácula dedicou-se a construir um santuário que assegurasse a segurança de sua filha recém-nascida Mavis da ameaça da civilização, um lugar isolado e escondido bem além de uma floresta assombrada e de um cemitério de mortos vivos. Este local viria a se tornar refúgio de outros monstros e criaturas fantásticas cansados da incessante perseguição humana, como o Frankenstein e o Lobisomem, e ser convenientemente batizado de Hotel Transilvânia. E durante cerca de 118 anos, ele tem cumprido totalmente o seu propósito até o fatídico dia, nas vésperas do aniversário da filha do Drácula, em que recebe a visita inesperada de um viajante. Essa enxuta e até original sinopse encheria os olhos do mais exigente e quem sabe renderia uma boa animação de terror (ao estilo do ótimo ParaNorman) caso não houvesse a participação de um dos sujeitos da indústria cinematográfica que menos se interessa com a qualidade de uma história: Adam Sandler, não só o dublador do protagonista na versão original como também um dos produtores da animação, embora o nome de sua empresa Happy Madison, responsável pela atrocidade Cada um tem a Gêmea que Merece, não surja nos créditos iniciais.
Usando o monstruoso pano de fundo como desculpa para uma historinha convencional sobre o protecionismo excessivo dos pais e a emancipação dos filhos e, nos piores momentos, para despejar humor de gosto duvidoso (os gases soltados pelo Frankenstein) e intervenções pouco inspiradas (o atributo marcante do Homem Invisível rende piadas do tipo: “se eu enfiar a minha mão na sua boca, ela some também?“), o roteiro sequer compreende as boas possibilidades sugeridas pela premissa e se limita a explorar – estou sendo generoso – o batido conceito de criaturas fantásticas comportando-se ordinariamente igual ao vizinho ao lado e vivenciado dramas rotineiros. Suponha que os monstros fossem substituídos por fadas, peixes ou Smurfs e o resultado seria praticamente o mesmo, alterando só as gags específicas. Sem estas, a animação não funcionaria de jeito nenhum, mostrando-se pontualmente divertida na revelação de que o Frankenstein viaja aos pedaços pelos correios (embora permaneça um mistério como ele e a sua noiva, após desmontados, consigam lacrar e despachar a encomenda), da obesidade da Múmia e da numerosa família (err, matilha) de um estressado e curvado Lobisomem, inspirado no Michael Douglas de Um Dia de Fúria.

Mas, ao invés de se preocupar em desenvolver as interações e soluções de maneira coerente com a natureza inusitada das criaturas retratadas, a narrativa preocupa-se exclusivamente com a fisionomia e peculiaridade de cada uma (o que faz de forma aceitável), permitindo que o esquematismo e o clichê assumam controle do que parecia ser uma ideia promissora. Os esforços desleais de Drácula para manter Mavis enclausurada no hotel são revelados no instante oportuno para provocar o conflito e o subsequente perdão antecipados pelo espectador, o que também ocorre com o relacionamento entre o vampiro e o humano Jonathan, o disfarce que este usa para passar desapercebido até ter sua identidade revelada e a reação dos demais monstros depois de descobrirem a farsa. Repetindo, assim, o que Adam Sandler tem feito (ou melhor, cometido) ao longo de sua extensa carreira: pegar um trapo de história e troçar personagens diferentes do padrão médio a partir das grosserias e babaquices habituais, amenizadas nesta animação por ser um produto obviamente voltado ao público infantil. O que não evita a presença de piadas tolas como “você fica pelada quando vira morcego ou a sua roupa encolhe?” e as típicas manifestações de raiva de Sandler, na forma das instantâneas explosões do Drácula.
Felizmente, assina a direção o estreante Genndy Tartakovsky (criador das boas animação A Vaca e o Frango, O Laboratório de Dexter e Samurai Jack), que com alguma liberdade, evidentemente reduzida por Adam Sandler, investe em um humor mais ácido e escatológico em certos momentos, como ao ilustrar o destino de uma dúzia de ovelhas e a inevitável mas eficiente piada envolvendo Crepúsculo. A narrativa também acerta nas gags visuais, breves o bastante para não esgotar o seu potencial cômico, que ilustram o funcionamento do hotel: a sauna é aquecida pelo bafo de um dragão, o café da manhã é servido… de noite, bruxas são as camareiras e mortos-vivos desempenham serviços gerais sendo, inclusive, a presença de célebres compositores de música clássica um momento de rara genialidade da narrativa. Mas Tartakovsky é menos feliz no comando das frenéticas sequências de ação que não justificam o preço mais caro do 3D, sendo ainda reprovável o uso gratuito de elementos de animações melhores, como o olhar Gato de Botas da morceguinha ou a insistência em tratar o chef Quasimodo em uma versão às avessas de Skiner de Ratatouille.
Mal dublado na versão nacional, que inclui um operário nordestino e um Lobisomem paulistano, Hotel Transilvânia é uma aventura inofensiva e pedestre, longe do baixo nível das produções da Happy Madison, mas carente de boas ideias.

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4 comentários em “Crítica | Hotel Transilvânia”

  1. Cara, acho q vc foi muito rígido na crítica… por exemplo: vc não chegou a citar o verdadeiro ponto/objetivo da mensagem do filme – o preconceito. Chega a ser bem explícito em alguns pontos da história, serve até como uma mensagem educativa para as crianças. Enfim, concordo com todo o resto.

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