Com 3 metros de alturas, 300 quilos e mãos esquisitamente grandes, Ralph tem sido por 30 anos o vilão do jogo Conserta Félix Jr., uma relíquia do fliperama. Porém, cansado de ser posto de lado por todos os outros que vangloriam apenas o herói que dá nome ao jogo e as suas muitas medalhas de ouro, Ralph resolve fugir da sua programação (leia-se: rotina) e tentar a sorte em outros jogos, para enfim conseguir a medalha que lhe dará o sonhado reconhecimento.
Sem saber que o seu sumiço poderá causar consequências desastrosas aos personagens do seu jogo, como a tão temida manutenção e o provável desligamento, Ralph entra no jogo de combate ultrarrealista Missão de Herói, cuja inspiração tem que ter sido Tropas Estelares, e acidentalmente vai parar na Corrida Doce, a mistura entre Mário Kart e Speed Racer com garotas pilotando carros de guloseimas, súditas do Rei Doce. Lá ele conhece Vanellope, uma adorável e tagarela pilota que, sendo um bug, uma falha na programação, é discriminada por todos e não pode participar das corridas.
Provando ser mais do que um grande e colorido algodão-doce (chegaremos lá), Detona Ralph ensina organicamente a aceitar o seu papel na sociedade, sela ele qual for, e desempenhá-lo com prazer e da melhor maneira possível, mesmo que não renda os fogos de artifício esperados. Com um roteiro bem costurado escrito por Jennifer Lee e Phil Johnston, cada personagem central, em vez de só inchar o elenco e disparar piadinhas específicas, tem diversas oportunidades de descobrir maneiras inusitadas de empregar os seus dons e crescer na narrativa. As grandes mãos de Ralph, habitualmente usadas só na destruição (há uma cena particularmente dolorosa), também constroem uma pista de corrida; o tilt constante de Vanellope, o símbolo de sua insegurança, acaba servindo-lhe como vantagem nas corridas; e o martelo de Félix produz efeitos bem-humorados ao tentar escapar de uma prisão.
Surpreendentemente enxuto, o roteiro chega a falhar em aproveitar a regra “se você morrer fora do seu jogo, não vai se regenerar” e fazer-nos temer pelo destino dos personagens. Mas ainda assim, os muitos detalhes introduzidos acabam tendo uma função clara na narrativa, e a menção a “virar turbo” é mais do que apenas uma alusão e até as estalactites de balas mentos sobre o lago de coca-cola vão além da piada óbvia.
Falhando em determinar até que ponto chega a interação entre os personagens dos jogos com o mundo real, capazes inclusive de manusear o joystick pelo lado de dentro, o diretor Rich Moore compensa na apresentação do divertido universo diegético em que, fora do expediente, vilões se encontram no lar do fantasma de Pacman ou personagens de jogos ultrapassados são largados à mendicância na estação central. O diretor ainda capricha ao conferir a cada jogo uma assinatura visual específica: em Conserta Félix Jr., os objetos de 8-bits têm contornos retangulares, os personagens movimentam-se quase em um stop-motion (só Ralph e Félix não) e os sons são bem característicos; já em Missão de Herói, a alta definição da Sargento Calhoun e uma fotografia escurecida e tenebrosa conferem o grau de realismo esperado do mais recente lançamento.
Cheio de referências ao mundo dos videogames, desde a presença de personagens famosos como Sonic e os lutadores de Street Fighter à própria operacionalização da plataforma na utilização de uma popular combinação de teclas digitadas em um cofre para acessar o código fonte, a narrativa é cheia de adoráveis firulas, como a gravata do Rei Doce na forma de um bombom, além de encontrar uma representação bastante convincente para o avatar do jogador em primeira pessoa nos jogos de tiro.
Assim, apresentando uma conclusão sensível e doce, capaz de provocar discretas lágrimas, ação na medida certa que não compromete o desenvolvimento da história e o adequado uso do 3D, Detona Ralph, embora de 2012, abre o ano de animações diferente da forma ele terminou: com alto nível de qualidade.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
1 comentário em “Crítica | Detona Ralph”
Esse ainda não vi.
Feliz 2013, Márcio. E viva o cinema!
O Falcão Maltês