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O Primeiro Homem

O Primeiro Homem

141 minutos

Quem for assistir a O Primeiro Homem esperando a obra intensa e energética que fora Whiplash, sairá desapontado após descobrir que o novo trabalho do diretor mais jovem a vencer o prêmio da categoria, Damien Chazelle, está mais preocupado no que existe dentro do íntimo do astronauta Neil Armstrong do que em explorar o espaço em direção ao satélite terrestre, na missão que mudaria a corrida espacial em tempos de Guerra Fria. É como se Darren Aronofsky (Cisne Negro, mãe!) encontra-se a combinação de Christopher Nolan com o Alfonso Cuarón de Gravidade, em uma biografia que acerta em cheio.

A história acompanha período de tempo generoso, de 1961 a 69, da vida e carreira de Neil Armstrong (Gosling, perfeito para o papel imaginado por Chazelle), desde do período como piloto de testes até ser recrutado pela NASA para contribuir com o projeto Gemini e, anos mais tarde, integrar a missão da Apollo 11 que pousou na lua. O que poderia aparentar ser extenso para ser diluído, apropriadamente, em cerca de 2 horas e 20 minutos, prova ser o caso contrário, com o roteiro de Josh Singer (vencedor do Oscar por Spotlight – Segredos Revelados) identificando, na morte precoce da filha caçula de Neil, a justificativa por que iria, literalmente, escapar rumo ao espaço. Sua estrutura alterna entre momentos íntimos, ao lado de Janet (Foy, das primeiras temporadas de The Crown) e aqueles mais espetaculares e curiosos, dentro das instalações da agência espacial ou a bordo de uma de suas missões.

O casamento, de certa forma, mimetiza a relação entre Neil e Janet. O calor humano desta é a base para estabelecer a identificação do espectador com o drama por que passa a família, ao passo que a frieza daquele, que não deve ser confundida com apatia ou indiferença, pois a narrativa oferece pistas de que sua dificuldade está em aceitar o luto, é o requisito para o planejamento e execução de cenas espetaculares. Nenhuma destas deixa a desejar em comparação com o padrão elevado dos set-pieces de Nolan ou Cuarón, apenas para citar dois que viajaram ao espaço e acolheram suas peculiaridades (vide, o vácuo não propagar som). Sendo assim, a montagem do vencedor do Oscar Tom Cross (Whiplash) transforma a experiência no interior da cápsula em um crescendo de apreensão que alcança níveis perto do insuportável (forma elegante, claro, para que o espectador experimente, na proporção que o cinema permite, tudo por que os astronautas passaram).

Mas são as cenas mais silenciosas que me conquistaram definitivamente, em particular por causa da dinâmica entre Gosling e Foy, em que esta reconhece a introspecção emocional do marido e a aceita, até isto já não ser mais possível. É doloroso reparar que o homem que tocou o solo lunar e experimentou o silêncio sepulcral que tanto buscava, não é apto a sair, metaforicamente, do traje de astronauta que o separa de todo o restante ou tocar a mão da esposa senão separado por uma membrana de vidro (que símbolo!). Ora, se Neil somente consegue sofrer e chorar a perda detrás de portas fechadas, e raramente consegue ser o pais que os filhos buscam, quanto mais ser o cara que trocaria confidências no jardim com o colega Ed (Clarke, impecável).

Por isso que não surpreende a atuação compenetrada de Ryan Gosling, que faz bom uso da “cara de pôquer” como modo de ilustrar seu afastamento do contato humano, enquanto investe uma energia robótica em sua válvula de escape, a missão, tanto que é Buzz Aldrin (Stoll) quem proporciona alguma forma de resposta durante a coletiva de imprensa de que participam. Enquanto isto, Claire Foy (que deverá ser indicada ao Oscar) é seu contraponto sentimental, reconhecendo (e aceitando) as exigências da missão e observando, à distância, a decomposição interna de Neil diante de tantos contratempos. O elenco de apoio que, além de Jason Clarke e Corey Stoll, tem nomes como Patrick Fugit, Kyle Chandler, Christopher Abbott, Ciarán Hinds, Shea Wingham e Lukas Haas é sólido para agigantar a minimalista performance de Gosling.

Outra estrela da narrativa é a direção de fotografia de Linus Sandgren (também vencedor do Oscar, por La La Land), que emprega formatos diferentes para obter sensações idem: o 16 mm torna a experiência o mais autêntica que pode ser, conferindo ainda a textura granulada de fitas caseiras dos anos 60; o 35mm retrata a porção mais convencional da narrativa; e o 70mm (IMAX) é reservado para o momento de abertura da escotilha ao aterrizar na lua. Deve ser suficiente para que Linus receba, senão a segunda estatueta da carreira, uma mais do que merecida indicação na categoria.

E se não citei Damien Chazelle mais enfaticamente, é porque o diretor, divergente de seus trabalhos anteriores, compreendeu que a melhor decisão seria permanecer invisível e evitar chamar a atenção para si. Sua decisão de empregar planos bem fechados que revelam quão espremida era a percepção de Neil do redor é um dos momentos em que a discrição é posta de lado em prol da narrativa.

Mas é o casamento de tons aparentemente inconciliáveis o mérito de Chazelle, tornando O Primeiro Homem na jornada espetacular que é, bem como a experiência melancólica de reconhecer que a dor do luto é mais infinita do que todo o universo ao nosso redor.


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