As aventuras de James Bond integram um subgênero próprio, com regras e estilo bem delineados, e tendo atingido o 23° filme na cronologia oficial da série, é inevitável que desde muito tempo rankings têm sido elaborados elencando o melhor e o pior do agente secreto. Talvez, portanto, o melhor elogio que posso oferecer a Moscou contra 007 é que este é para mim o número 1 da franquia. Inteligente, ágil, revelador, cheio de alternativas no roteiro intrincado (e também ironicamente simples) e exótico, a segunda aventura de 007 nos cinemas preocupa-se em estabelecer o que torna Bond uma ameaça tão grande aos planos da SPECTRE, a organização criminosa comandada por Blofeld, construindo um espião seguro de si além de um baita detetive, em vez de resumi-lo a um herói de ação com uma permissão para matar e uma fraqueza para mulheres bonitas.
Melhor de tudo isso é o que o roteiro escrito por Richard Maibaum e Johanna Harwood faz isso sem precisar de uma trama rocambolesca que envolva a dominação e a destruição da humanidade, mas “apenas” o roubo da decodificadora Lektor do serviço secreto soviético, visto por Blofeld como uma oportunidade de lucrar para a organização e também de vingar-se de James Bond (Sean Connery) após a morte de Dr. No. A partir daí, a número 3 na SPECTRE Rosa Klebb (Lotte Lenya), recruta a bela agente Tatiana Romanova (Daniela Bianchi) para seduzir o agente que, mesmo ciente de estar caindo uma armadilha, está suficientemente interessado em adquirir uma Lektor para o MI-6 que não titubeia em jogar o jogo. Em Istambul, Bond e Tatiana reúnem-se com o turco Kerim Bey (Pedro Armendáriz) e são seguidos de perto pelo assassino contratado Grant (Robert Shaw), um dos melhores vilões da franquia (tecnicamente, um capanga, conforme as regras, mas enfim).
Limitando-se a um número reduzido de personagens – e basta ver que há só uma Bondgirl na maior parte do tempo -, o diretor Terence Young aproveita o tempo para jogar luz em traços particulares de Bond, como um caso amoroso recorrente mantido há cerca de 6 meses e que diz muito da vida do agente fora do MI-6. Novamente, porém, é a atitude rigorosamente diligente de Bond que chama mais atenção, e assim como no filme anterior ele se manteve de vigília para surpreender o assassino no seu quarto de hotel, agora a primeira coisa que ele faz em Istambul é buscar por grampos no apartamento, ou quando retorna à cabine do trem, a primeira coisa que faz é lançar um breve olhar aos trincos de sua maleta para detectar se ela permanece intocada. Esta é também a única bugiganga que Bond carrega no decorrer da narrativa, ignorando as invenções mirabolantes (e divertidas) do Q e os carros de luxo com artilharia, mantendo um firme pé no chão condizente a uma abordagem que privilegia a espionagem à ação e que reflete até mesmo na postura de Bond em luto (noutras ocasiões, ele automaticamente soltaria uma piadinha).
Da mesma forma, a SPECTRE é satisfatoriamente descrita a partir de sua hierarquia e até a existência de um campo de treinamento demonstra os ambiciosos planos da organização, praticamente uma MI-6 maléfica, algo que o seu líder Blofed, adequadamente mantido nas sombras como um bom marionetista e dono de um senso de humor singularmente ácido (“precisamos desenvolver um novo veneno mais rápido”, diz após os longos 12 segundos necessários para uma vítima padecer), certamente se orgulharia. Finalmente, nem Tatiana insiste na postura de donzela indefesa e inclusive é ela quem evita que Bond seja morto em determinado momento, subvertendo a ordem natural de como o cinema insiste em retratar essas coisas.
Prescindindo de grandes orgias explosivas e cenas de ação impactantes para envolver o espectador em sua história de espionagem na qual todos os lados estão enganando uns aos outros, Moscou contra 007 também tem uma canção original bacana e mantém tenso mesmo quem já sabe desde sempre que 007 vai vencer o dia.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
3 comentários em “50 Anos | Moscou contra 007”
CLÁSSICO DOS CLÁSSICOS.
Essa é uma das lacunas da franquia 007 que tenho de preenchê-la imediatamente!
Ótimo texto, meu caro! E não esqueci de assistir ao seu novo curta haha ^^
abs!
Sem sombra de dúvida é o melhor filme do agente 007.