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Crítica | Redemoinho

Redemoinho

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A lente das câmeras cinematográficas é um importante instrumento para homenagear a história de pessoas comuns neste país de dimensão continental, eternizando-a dentro da moldura perene da arte, e para que o espectador reflita a respeito da própria vida enquanto assiste a de terceiros que poderiam ser familiares, amigos ou vizinhos. E, apesar de compreender que parte do público vá aos cinemas para assistir a tramas românticas, cômicas, aventurescas ou fantásticas a respeito de pessoas extraordinárias em situações idem, uma maneira válida de se escapar dos problemas diários por cerca de 2 horas, a arte cinematográfica deve cumprir sua função social e debater sobre os recortes das vidas de Luzimares, Gildos, Toninhas e Martas, como fez o diretor José Luiz Villamarim, da novela Império, em sua estreia cinematográfica Redemoinho.

A história nos transporta, às vésperas do natal, ao município mineiro de Cataguases, cuja existência e subsistência gira em torno da fábrica têxtil da região, apesar de aparentar ser igual a milhares de outras cidades do interior deste brasilzão em termos de infraestrutura: existe só uma rua que conecta os moradores da cidade, parela à via férrea, no símbolo que confirma ser este um local de passagem, não de destinos. Neste cenário, somos apresentados a Luzimar (Santos), que acumulou promoções na fábrica até tornar-se supervisor de produção, e a sua esposa Toninha (Paes), que aguarda o marido para celebrar o natal e contar uma novidade. Entretanto, a rotina de Luzimar é interrompida após encontrar-se com Gildo (Andrade), um amigo de infância que viajou da capital para visitar a mãe, a quem chama de Dona Marta (Kiss), tamanha é a distância que os separam emocionalmente, a ponto de ele enxergar não mais sua figura materna, tão somente uma senhora do interior por quem nutre carinho. Ao longo de algumas horas, Luzimar e Gildo retiram esqueletos do armário e revivem memórias felizes da adolescência.

Através da sinopse, é fácil perceber que a narrativa de Redemoinho não é orientada pela história nem pelos personagens, mas pelo impulso – quase compulsivo – de observador o abalo do cotidiano dos personagens com a chegada de um ser estranho aquele meio, Gildo, carregado de maneirismos e preconceitos trazidos da capital. De certa maneira, assemelha-se a Barravento em que Firmino, recém chegado de Salvador, chacoalhava a vida de Aruã e a dos demais habitantes da vila de pescadores, apesar de aqui, evidentemente, sem a presença determinante do folclore, das crendices e da disputa de classe que existia na obra de Glauber Rocha, substituídos pelo existencialmente que opõe o desejo – ou melhor, instinto – de ir com o de permanecer. Uma questão que existe, intimamente, na própria narrativa nas vezes em que Luzimar, apesar das ligações de Toninha, opta em permanecer com Gildo (a capital) em vez de regressar à casa (o interior), ou, inclusive, no simbolismo com que Gildo emprega o tecido oriundo da fábrica (de boa qualidade, diz Luzimar) para embalar a televisão que comprou de presente para mãe.

Tudo isto é enxergado através das lentes do mestre Walter Carvalho (um dos grandes diretores de fotografia em atividade) como se fôssemos alienígenas, digo literamentel, que tropeçamos naquela cidadezinha e naquele exato dia apenas para acompanhar porções determinantes da vida de desconhecidos, e, mesmo que estejamos mal contextualizados, esforçamos-nos em compreender seus anseios e drama particulares. Isto explica por que a câmera é atrevida, sorrateira e inusitada, enxergando Toninha banhando-se, tal como se estivesse espiando escondida detrás da porta, ou se pondo no banco de trás do carro de Gildo enquanto o vê discutindo e esbravejando com Luzimar do lado de fora. Com intuito semelhante, repare como os enquadramentos às vezes são estreitos ou amplos, ‘cortam’ parte do corpo dos personagens e preferem espaços vazios a enquadramentos convencionais, o que concorre para o voyeurismo da narrativa, e o consequente desconforto de xeretar a vida alheia.

Certamente inspirado por O Som ao Redor, o diretor José Luiz Villamarim emprega a edição de som de forma inteligente, ora com intento estilístico (o raccord sonoro da chuva torrencial para o chão da fábrica), ora narrativo (o som do trem sobre os trilhos, cúmplice e partícipe – por que não? – do ato de violência que ocorre no terceiro ato, e que, ao se fazer escutar na cena seguinte, conecta os acontecimentos quase que de forma umbilical), mas não sem antes empregá-lo como símbolo da incomunicabilidade do protagonista, Luzimar, enquanto dentro da fábrica.

Hábil também em evocar a tensão de modo simples, sem empregar recursos cinematográficos adicionais senão a mera observação passiva, Villamarim, ao lado de Carvalho, também é responsável por belos momentos como aquele em que Dona Marta, na janela, enxerga Toninha debaixo da sombra, talvez acreditando estar diante da silhueta do fantasma do natal passado de Charles Dickens ou, quiçá, do reflexo da vida que passou tão rapidamente, apesar de presa no marasma de uma vida ordinária.

Isso me leva à conclusão de que Redemoinho, embora não responda a pergunta-chave “É melhor ir do que permanecer?”, faz algo maior: ilustra as rimas, tão simples quanto são impercetíveis, do que há no ínterim.

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