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3.5/5

2023

124 minutos

3.5/5

Diretor: Rafael Conde

Em , acompanhamos de perto a vida de José Carlos da Mata Machado (Caio Horowicz), líder do movimento estudantil brasileiro, morto nos porões da ditadura militar aos 27 anos. O filme foca no seu período de clandestinidade, do início de sua relação junto de sua esposa Madalena Prata Soares (Eduarda Fernandes), ainda em Belo Horizonte, até o momento de sua captura, no Recife.

Apesar do contexto de medo durante os anos de chumbo, boa parte do longa se concentra nas relações familiares. Ainda que escondidos e sempre em movimento, nos deparamos com momentos íntimos do casal, a criação de seus filhos e as tentativas de contato com seus familiares. Em paralelo, acompanhamos o drama dos pais de Zé em obter notícias do filho, além da troca de cartas proporcionada com o auxílio do Dr. Hélio, advogado e amigo da família. Outros personagens importantes à trama também são explorados como Gilberto, o cunhado delator de Zé, e Grauninha (Samantha Jones), companheira de luta de origem rural que também dá suporte ao casal.

possui um ar de Nunca Fomos Tão Felizes, se debruçando com um olhar mais intimista sobre a constelação familiar. Apesar disso, em alguns momentos a narrativa perde ritmo, principalmente pela montagem. Por mais que queira sublinhar o encarceramento daquela família pelo medo, algumas cenas soam repetitivas. É compreensível que a vida clandestina promova uma rotina limitante e temerosa, mas ainda assim alguns desses momentos poderiam ter sido suprimidos em elipses. A sensação que fica durante o segundo ato é que existe um looping, principalmente pelo diálogo ao redor dos mesmos temas e aflições na dinâmica do casal.

Se por um lado o texto do filme escapa de nossa atenção, o formalismo explorado na fotografia e na movimentação dos atores nos hipnotizam. Podemos perceber que, ao longo da história, o protagonista está cada vez mais comprimido no quadro, seja mediante o corpo de uma figurante ocupando o primeiro plano, ou sendo enquadrado em cubículos. De forma claustrofóbica sentimos o cerco se fechando ao redor de Zé. A câmera explora seu medo e a sua ânsia por se manter escondido através de uma mise-en-scene criativa, apesar dos poucos recursos disponíveis. O protagonista diversas vezes se mantém ao fundo, em ambientes repletos de sombra. Uma cena em especial me chamou a atenção: seu reflexo no espelho ocupa apenas um pequeno espaço e, ao abaixar para acessar a pia, é como se estivesse abaixando para ocultar a própria silhueta, se escondendo.

A fotografia também explora a morbidez da cor verde. O verde da farda do exército, da ditadura militar, da morte, está sempre a espreita. Seja na forma de luz, saindo das frestas de portas , ou como a sombra pouca nítida da vegetação em de janelas. A cor se apresenta também em elementos do design de produção e do figurino. No momento em que Madalena questiona o irmão se está buscando informações como um agente da ditadura, o mesmo está vestindo uma camisa verde. A cor representa sua familiaridade com os algozes quando seu “disfarce” é posto em cheque.

O som do filme também merece destaque. Logo no início, nos deparamos com o discurso inflamado do pai do protagonista ser invadido por estrondos. Esses mesmos estrondos evidenciam o medo crescente dos personagens e o perigo iminente, tal qual a chegada dos agentes da ditadura em passos pesados. Esse elemento sonoro extradiegético é responsável por alavancar a tensão da narrativa. Claro que o momento histórico em que o filme se passa já traz esse sentimento de temor pelos personagens, ainda que saibamos qual será o desfecho de suas histórias.

É interessante como o longa nos coloca, enquanto espectadores, em diferentes papéis. Uma das primeiras cenas retrata uma conversa entre os pais do protagonista e o advogado. No primeiro momento, a câmera nos coloca de fora do ambiente, espreitando aquele diálogo – ainda ensaiado – por detrás da janela. As informações trocadas entre os personagens só passam a ser verdadeira quando nos configuramos como partes integrantes da cena e não mais como meros observadores não desejados. É como se o filme aos poucos nos convidasse a sermos aliados daquelas pessoas. Inclusive, as cartas escritas por Zé são declamadas pelo próprio em um plano fechado. Apesar de terem sido endereçadas a seus pais e não nós, o protagonista fala conosco quase como em uma quebra da quarta parede. Mas por mais que esse enquadramento nos permita olhar nos olhos do personagem, criando uma conexão empática ainda maior, o recurso é excessivamente explorado. Essa previsibilidade da estrutura acaba roubando um pouco do encanto das palavras. Afinal, as cartas são de enorme sensibilidade poética. Apenas na cena final, já nos porões do DOI-CODE e com o rosto repleto de sangue, é que o recurso retoma sua força e o filme alcança seu ápice.

Trazer uma biografia de um militante da liberdade que teve a vida abreviada pelo totalitarismo é de suma importância para manter a memória de nosso país viva e nunca deixar que os piores anos de nossa história possam ser revividos. tem sensibilidade de mostrar o homem para além de sua luta, apresentando José Carlos da Mata Machado para além da figura do ativista e trazer ao público suas outras facetas: de pai, marido, filho e amigo. A proposta intimista traz muitos elementos a serem observados para além do texto, e que enriquecem a obra. Infelizmente, a montagem que prolonga por demais e torna repetitivas algumas cenas acaba prejudicando o ritmo e favorecendo o afastamento do olhar. Pelo menos, em seus últimos momentos, o filme resgata sua força e transborda a dramaticidade que lhe é devida.

foi exibido na abertura do 17 Festival Internacional de Cinema Cine BH, no dia 26 de setembro de 2023.

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2 comentários em “Zé”

  1. Avatar
    Alvaro Alexandre Goulart da Silveira

    Entendo que é importante manter vivo a história porque muitos desejam deturpar e apagar dos anais da trajetória política brasileira, bem como romantizar essa época tão conturbada e nociva a democracia.

  2. Pingback: Entrevista Caio Horowicz - Cine BH 2023 • Cinema com Crí­tica

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