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Crítica | O Filme da Minha Vida

O Filme da Minha Vida

117 minutos

Se cinema tivesse cheiro, O Filme da Minha Vida teria aroma de madeira envelhecida, acondicionada e conservada com carinho no interior do baú da memória, trazendo consigo um misto de nostalgia e melancolia. É também, simultaneamente, o saudosismo na forma de arte para os da velha guarda e uma ficção-científica retrô para os da nova geração, instigando, inclusive, a carência mesmo daquilo que estes jamais puderam experimentar ou conhecer. É, acima de tudo, uma obra que dialoga mais com o espírito e o coração do que com a cabeça, além de ser a prova definitiva da sensibilidade de Selton Mello, que, após três filmes (Feliz NatalO Palhaço), confirma-se como uma das vozes mais interessantes do cinema nacional.

Baseado no livro Um Pai de Cinema, do chileno Antonio Skármeta, o roteiro co-escrito por Selton e Marcelo Vindicatto regressa à década de 60 para contar o que os norte-americanos chamam de coming of age: narrativas interessadas no amadurecimento do protagonista em face às dificuldades impostas pela vida. Este é Tony Terranova (Massaro), cujo pai, o francês Nicolas (Cassel), abandonou a família logo quando seu filho, agora rapaz, regressou da capital para ser professor de francês no colégio da cidade. Apaixonado por cinema e pelas irmãs Luna (Linzmeyer) e Petra (Arantes), Tony fantasia o dia em que seu pai regressará, mesmo aconselhado por Paco (Mell0) para tocar sua vida.

Mergulhada em tons apropriados de sépia desde antes dos créditos iniciais, a fotografia do genial Walter Carvalho remete às fotos antigas dos álbuns de fotografia, vítimas da ação do tempo, mas não do descaso de quem as revisita em busca de memórias guardadas tão fundo que parecem esquecidas. É isto o que a atmosfera da narrativa, construída também com base na boa seleção musical da trilha sonora, inspira-nos a fazer: resgatar e reviver sentimentos adormecidos enquanto acompanhamos a jornada de Johnny, que busca reconciliar-se com o passado para ser um homem melhor no futuro.

Assim, a lógica visual construída por Selton Mello faz todo sentido, com os personagens frequentemente encarando o lado esquerdo do quadro (que na linguagem cinematográfica representa o passado) ou o direito (o futuro), e movimentando-se incessantemente de ou ao encontro de seu destino. Repare, p. ex., que Sofia (Clais), ainda presa à ausência do marido, passa a maior parte da narrativa encarando o passado através de janelas que a separam da vida que existe do lado de fora, ao passo que Nicolas realiza justo o contrário, até mesmo mantendo esta sistemática na sua profissão de projecionista, muito embora passe a encarar não mais seu futuro, e sim o dos outros, porém separado também por uma janela: a de projeção. Curiosa, aliás, não somente a obsessão da narrativa por janelas, como também por reflexos, com a construção de planos que, além de irrevogavelmente belos, também comunicam certa dubiedade de seus personagens.

Por falar neles, uma pluralidade de sentimentos transborda de seus corações apertados de alegria, tristeza, desejo, saudade, comunicados mais através da própria interpretação dos atores – Selton é, naturalmente, um grande diretor de atores – do que dos diálogos no roteiro, apesar de estes manterem o alto nível do restante da narrativa. E se um pudesse resumi-la, este seria aquele dito por Luna à irmã: “O tempo não existe; as pessoas envelhecem quando precisam envelhecer“, salientando não apenas a imortalidade da memória, mas o próprio subgênero da narrativa, antecipando o advento da maturidade de Tony.

Enquanto isso, o design de produção de Cláudio Amaral Peixoto resgata em discos de vinil, câmeras fotográficas analógicas, álbuns de fotografia e centrais telefônicas, a maioria extinta com a tecnologia contemporânea, os objetos cenográficos saídos de uma cápsula do tempo, e que combinam, então, com a ingenuidade de epístolas amorosas, o nervosismo em torno de dar a mão dentro da sala de cinema, a normalidade em conversas com estranhos ou até certa ternura na Zona, parte do desenvolvimento sexual do jovem daquela época. Esta é também a oportunidade para que a narrativa introduza o senso de humor de maneira orgânica, na figura da inocência do irmão caçula de Luna e Petra, aluno de Tony, em conflito com os hormônios que começam a ferver dentro do seu corpo.

Bonito de se ver e, mais ainda, de se sentir, O Filme da Minha Vida encontra na textura do passado a melhor maneira de homenagear o que há de gostoso na vida: as emoções perenes que nos tiram do chão e resistem mesmo à rotina extenuante, implacável, corrida e volúvel contemporânea. Quisera que cinema tivesse cheiro; se assim fosse, esta narrativa teria o de amor.


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