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Othelo, O Grande

4/5

Othelo, O Grande

2023

82 minutos

4/5

Diretor: Lucas H. Rossi dos Santos

A primeira vez que ouvi falar de Grande Othelo foi através de minha avó. Na época, eu trabalhava em locadora e ela havia me perguntado se lá havia disponível os filmes dele junto do Oscarito. Ela assistia nos cinemas de rua durante a infância, levada pelo meu bisavô. Eu era bem novo, tinha apenas dezessete anos e meu repertório sobre o cinema brasileiro era muito limitado. Estava fascinado com Cidade de Deus e a referência cômica era O Auto da Compadecida (ainda está no meu ranking). Ao ouvir aquele nome, até então desconhecido, imaginava um Tony Tornado comediante. Para minha surpresa, ao ver a imagem no Google, me deparei com aquele sujeito baixinho e de rosto simpático. Fui buscar sua filmografia, seus trabalhos, e me deparei com o genial Macunaíma, que havia no acervo da loja. Também o reconheci em reprises da Escolinha do Professor Raimundo, como Eustáquio. Grande Othelo era um comediante e tanto! Mas foi quando assisti Rio, Zona Norte, de Nelson Pereira dos Santos, que me surpreendi com sua atuação. Que ator completo! Hoje é um filme que possuo na minha coleção e com grande destaque.

Em Othelo, O Grande, podemos conhecer um pouco mais da historia do cinema brasileiro através de sua carreira. Da Cinédia à Atlântida, até o Cinema Novo, Grande Othelo fez passagem deixando sua marca. O menino Sebastião, que nasceu em Uberlândia, ganharia o Brasil com seu talento natural. Desde sempre seu dom artístico se evidenciava e provocara o encanto daqueles ao seu redor. Seu tino para a comédia ia muito além de sua aparência. Claro que ele tirava proveito da fragilidade de seu um metro e meio de altura, e quase nenhum tônus muscular. Mas eram infinitos seus recursos para extrair risadas do público. Quando vestia-se de mulher, o público vinha abaixo. O documentário traz diversas imagens dessa sua proeza, em destaque para uma esquete ao lado de seu companheiro Oscarito, quando reencenam Romeu e Julieta, de Shakespeare. Inicialmente, Otelo seria o “escada” para seu amigo. Mas sua potência acabou igualando os dois comediantes em tela. Era uma simbiose, uma dupla perfeita! Apesar disso, o próprio questiona por que se chamavam “Oscarito e Grande Othelo” e nunca “Grande Othelo e Oscarito“.

Grande Otelo e Oscarito

No documentário, Grande Othelo fala das dificuldades que um homem negro tinha para exercer seu ofício de artista (que se estendia a qualquer outro ofício). Apesar de já ser uma figura conhecida no meio, como qualquer outro homem negro, precisava entrar pelos fundos. Ser célebre e querido por seu público branco não o permitia acessar os teatros e cassinos pela mesma porta de entrada. A obra faz questão de usar o artista como um baluarte para denunciar o racismo que, apesar de consumir as diversas riquezas materiais e imateriais que produzem, descarta os pretos ou os desumaniza. O samba, cantado e dançado magistralmente por Grande Otelo, e incorporado ao cinema, teatro e televisão, é apenas um exemplo dessas riquezas. Não à toa, o documentário invoca Abdias Nascimento para tratar do assunto, quando fala de representatividade e produção cultural. Esse assunto é também trazido com a história que conecta Otelo a Orson Welles, que encantado com a cultura periférica, dedicou horas de filmagens em favelas em um projeto que contava com a presença do artista, mas que seria descartado pelo governo americano.

Mas nem só da vida profissional o documentário trata. Othelo, O Grande fala de sua vida privada. Fala de seus amores, suas amizades e, acima de tudo, exalta o seu amor pela arte. Seja nos palcos ou em frente às câmeras, Otelo trazia a essência do personagem. Trazia emoção, ainda que livre de texto ou direção, por que fazia com grande amor pela arte de atuar. Fora dos holofotes, passou por três casamentos. Um deles se configurou em sua grande tragédia. Lucia, sua primeira esposa, tirou a vida de seu filho “Chuvisco” (Elmar) e, em seguida, sua própria. O filme também conta de seus outros dois casamentos, com Olga Vasconcelos e Joséphine Helene. Outra questão levantada era o amor que nutria por seus filhos e como esse amor era seu maior sustento. O ator chegou a passar dificuldades e aceitar qualquer papel para que pudesse pagar suas contas. Vivendo uma vida mais humilde, passou a ter estabilidade quando foi convidado por Chico Anysio para fazer parte da Escolinha do Professor Raimundo. E como Eustáquio era, simplesmente, genial. Fazia graça até da própria desgraça.

Grande Otelo como Eustáquio, na Escolinha do Professor Raimundo

Othelo, O Grande reverencia esse artista que foi fundamental para a história do cinema brasileiro. Mais ainda! Fundamental ao teatro e à televisão. Otelo era sinônimo de talento. Era um ímpar dentro e fora dos palcos. Em suas entrevistas para programas como Roda Viva, percebemos a extensão de sua inteligência. Um homem autoconsciente e consciente do mundo. Deu a melhor resposta possível a um jornalista quando questionado a respeito do racismo. E o documentário acerta em cheio ao entregar ao artista o microfone, ainda que através de imagens de arquivo e com momentos de narração de Zezé Mota. Sua montagem bebe de diversas fontes e nos oferece uma riqueza de imagens plurais de diversos momentos da trajetória do artista. E costura muito bem essa colcha de retalhos de depoimentos, trechos de produções e entrevistas, entregando um filme ágil e emocionante. Othelo, O Grande, para além de seu conteúdo de pesquisa e registro, é um veículo de divulgação da importância do artista. Uma maneira de apresenta-lo às novas gerações que precisam conhecê-lo mais de perto. Uma homenagem merecida a esse gênio que tanto entregou, mas não colheu os frutos de seu trabalho como merecia. Grande Otelo, apesar de baixinho, era imenso! Gigante Otelo!

Othelo, O Grande foi exibido no 25 Festival do Rio e recebeu o Redentor de Melhor Documentário.

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1 comentário em “Othelo, O Grande”

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