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Crítica | Thor: Ragnarok

Thor: Ragnarok

130 minutos

Para ser direto, Thor: Ragnarok é a melhor comédia da Marvel Studios: divertida, escapista, nostálgica, superior inclusive a Guardiões da Galáxia: Vol: 2 Homem-Aranha: De Volta ao Lar nesse quesito. É também o indício evidente de esgotamento do subgênero de super-heróis, graças a forma inconsequente, alienada e desenvergonhada com que parodia, sem receio do ridículo, o universo cinematográfico que integra. Pode ser que seja um mero experimento da Marvel, e quem melhor para protagonizá-lo do que o Deus do Trovão, um herói tão popular quanto despersonalizado em comparação com Homem de Ferro, Capitão América ou Homem-Aranha, cujos universos têm contornos bem delineados em tom, estilo e atmosfera?

A trama escrita a seis mãos encontra Thor (Hemsworth) preso em uma gaiola suspensa, explicando como chegou até ali ao seu interlocutor esquelético e, de tabela, ao espectador. Quando consegue livrar-se do captor e retornar a Asgard, Thor descobre que Loki (Hiddleston) está personificando Odin (Hopkins), largado em um asilo na Terra (Midgard), e assumiu o trono desocupado. E antes que ambos resolvam no tapa esta briga de família, a irmã mais velha deles e deusa da morte, Hela (Blanchett), retorna do exílio para reivindicar Asgard, retomar os Nove Reinos e iniciar o Ragnarok, o apocalipse da mitologia nórdica. Sem o Mjolnir, destruído, e abandonado em um planeta que cultua as lutas entre gladiadores, Thor reencontra Hulk (Ruffalo) e reúne uma equipe para reaver sua terra natal. Esse roteiro rasteiro, cujos eventos desencadeiam-se de modo previsível – da hesitação de Valquíria (Thompson) à briga inevitável entre Thor e Hulk, passando até mesmo por Loki – serve para reconstruir a jornada messiânica do herói e amarrar as pontas que porventura foram deixadas soltas nas aventuras passadas do MCU, com a resposta de por que aqueles heróis não participaram da Guerra Civil, por exemplo.

Mas de nada importa a releitura nórdica (óbvia) do cristianismo, com Odin, Thor e Heimdall assumindo as vezes dos papéis bíblicos de Deus, Jesus e Moisés. Nem tampouco o destino de Asgard nas mãos de Hela, que atravessa uma parte da narrativa servindo de guia de museu, recontando a história de Asgard para seu assecla, Skurge (Urban, coitado!), e a outra, arremessando objetos pontiagudos de tamanhos variados do seu arsenal infinito – confesso ter ficado surpreso com um de seus últimos alvos, imaginando que ela poderia, se quisesse, empalar a própria Terra. Sequer os set pieces – mais e mais reféns de efeitos especiais – e o design de produção colorido, grandiloquente, retrô e brega do planeta Sakaar camuflam que, em Thor 3, as gags são o início, meio e fim, em uma sitcom de super-heróis que só esqueceu de acrescentar a trilha de risadas à mixagem de som. Essa vocação cômica não é ruim, porque o trabalho do diretor neozelandês Taika Waititi (O que Fazemos nas Sombras e A Incrível Aventura de Rick Baker) é bem sucedido no que faz, dublando, inclusive, o personagem mais engraçado da aventura, Krog, a versão do Coisa de Quarteto Fantástico com a voz menos apropriada que há.

Aliás, surpreender o espectador com a figuração de rostos conhecidos é fácil, mas transformar a lei da inércia em uma gag divertida, evitando que ela pareça repetitiva, reforça o timing cômico acertado de Waititi. E, apesar de determinadas sequências parecerem forçadas apenas para conquistar o riso bobo – como aquela em que Thor tenta acessar o comando de voz de uma espaçonave -, sem a naturalidade de outras passagens – a tirada de Loki após Hulk desferir em Thor o mesmo golpe já visto em Vingadores -, a verdade é que a punchline funciona, em que pese a maneira com que foram inicialmente construídas. O elenco ajuda, e enquanto Hemsworth é eficiente em rir da persona de deus nórdico (isto está mais do que provado em As Caça-Fantasmas), Jeff Goldblum prova que, na maioria das vezes, não é a piada contada, e sim a forma com que é contada que faz a diferença, e ele tem controle estupendo da cadência e ritmo necessários para que nada seja desperdiçado.

Por outro lado, Thor 3, apesar de tecnicamente irrepreensível, não desperta emoção. Nenhuma. A sensação é de que a narrativa aparenta ser mais falsa do que as ilusões de Loki: nada ameaçador de fato ameaça, não existe o gosto do perigo ou fracasso por causa da maneira descompromissada com que é narrada a jornada de Thor, as armas proibitivamente gigantes parecem de plástico, os golpes desferidos por criaturas poderosíssimas não causam ferimentos maiores, exceto quando o propósito é este (neste caso, Hela pode matar centenas), e mesmo naves podem ser destruídas saltando de uma a outra como se estivéssemos em um videogame dos anos oitenta. Até o gênero da fantasia, em que se inserem as aventuras de super-heróis, devem respeitar regras tacitamente acordadas com o espectador: umas mais rígidas (a trilogia O Cavaleiro das Trevas), outras, não (a trilogia Homem-Aranha de Sam Raimi). Mas Thor 3 desrespeita todas por confundir entretenimento com inconsequência.

Tome o Hulk, que aprendeu a articular frases complexas, mesmo que isto vá de encontro às aventuras anteriores, em que o gigante esmeralda sofria para gritar “Hulk esmaga!”. Agora, no lugar do monstro incompreendido e explosivo, está o bebêzão que ingeriu muito suco verde com anabolizante no café da manhã e adora a oportunidade de brigar com quem surgir no caminho, e, por mais que possa entender o apelo desta versão do personagem (ora, confesso que ri bastante em certos instantes), o sentimento é de que aleija a pretensão de que haja algo mais além do alívio cômico reservado a ele (e a Mark Ruffalo, cujo talento é subaproveitado como Bruce Banner). Melhor sorte não tem Cate Blanchett, e se uma das atrizes mais talentosas em atividade não consegue criar uma vilã decente para a Marvel, limitando-se a mexer os dedos como qualquer ser megalomaníaco faria, eu jogo a toalha.

A propósito, chega a ser irônico e emblemático que o melhor personagem de Thor: Ragnarok seja interpretado por Karl Urban, sobretudo dada a irrelevância de Skurge para a narrativa, ou então que a cena mais marcante não seja aquela em que Hulk esmague alguma criatura digital ou Thor arremesse relâmpagos dos olhos, mas venha na forma de um flashback, retratando o ataque das Valquírias a Hela e cujos frames poderiam ser emoldurados e exibidos nos melhores museus.

No final das contas, não é o humor demasiado (não há mal nisto), e sim o desmazelo com todo o restante que fragiliza a divertida, porém esquecível nova aventura do Deus do Trovão.


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3 comentários em “Crítica | Thor: Ragnarok”

  1. fazes crítica de the good place?(muito claro que não é filme. estreia.) mas escrever sobre-a deve dar uma bela leitura..

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